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Suécia: a arriscada experiência do país na pandemia de coronavírus
Enquanto a Europa inteira se isolava, o governo não impôs restrições e deixou a critério da população manter o distanciamento
Citada como exemplo pelo presidente Jair Bolsonaro e por aliados de Donald Trump nos Estados Unidos, a Suécia decidiu tomar um caminho diferente no combate ao novo coronavírus. Não impôs quarentena, não fechou lojas e restaurantes e seguiu com o ano escolar, limitando-se a recomendar que os idosos ficassem em casa, que todos mantivessem a distância regulamentar de 2 metros e que não houvesse ajuntamentos de mais de cinquenta pessoas. Não há fiscalização nem punição de infratores. O objetivo era promover a imunização natural mais abrangente possível da população em curto prazo, tática contida no controvertido conceito de “imunidade de rebanho” — que o governo sueco, no entanto, rejeita e nega praticar. Agora, a conta chegou: na semana de 13 a 20 de maio, a Suécia registrou o mais alto número de mortos per capita do mundo, 6,08 para cada 1 milhão de habitantes. A taxa de mortalidade passa dos 12%, acima da dos Estados Unidos e da Espanha e muito superior à dos demais países da Escandinávia.
Com mais de 32 000 casos confirmados, a Suécia, na quinta-feira 21, contava quase 4 000 mortes, cerca de 30% acima da média do período em anos normais e até dez vezes mais do que os vizinhos escandinavos (veja no quadro ao lado). O país admite falha no cuidado com os idosos — mais da metade dos mortos acima de 70 anos estava em casas de repouso, despreparadas para lidar com a Covid-19. “Não prevíamos uma alta taxa de mortalidade. Calculamos que muitos ficariam doentes, mas as mortes foram uma surpresa”, disse o epidemiologista Anders Tegnell, à frente da resposta sueca à pandemia e uma espécie de Anthony Fauci — o americano que segura o ímpeto liberalizante de Donald Trump — às avessas. No entanto, a experiência mostra que, quanto menos controle, mais aumenta o número de vítimas. Os governos do Reino Unido e da Holanda também flertaram com a ideia de se limitar a restrições suaves no início da epidemia, mas desistiram diante do impacto social da escalada de contaminação e mortes.
Até agora, o primeiro-ministro social-democrata Stefan Löfven não deu sinal de que vá implantar maiores controles, confiante em que o acerto de sua estratégia vai ser observado no futuro, quando a pandemia tiver passado. “A vantagem deste sistema é que podemos mantê-lo enquanto durar a pandemia, sem necessidade de reaberturas bruscas. Também fica mais fácil apertar um pouco as regras se acontecerem novos surtos”, diz o imunologista Kjell Torén, professor da Universidade de Gotemburgo e um apoiador das medidas do governo — como, de resto, a maioria da população. Ajuda muito a evitar uma disseminação descontrolada do novo coronavírus o fato de a Suécia, diferentemente do Brasil, ser um país de pouco mais de 10 milhões de habitantes escolarizados e disciplinados, registrar uma baixa densidade populacional, ter um grande contingente de pessoas que moram sozinhas e contar com um excelente serviço de saúde. Mesmo com a desobrigação de cumprir quarentena rígida, um terço dos suecos optou por trabalhar em esquema de home office, a frequência nos restaurantes caiu 70% em abril (voltou a crescer com a subida da temperatura) e o transporte público tem sido menos usado.