Economia
Risco de apagão está mal precificado no mercado, diz gestor da RPS Capital
Com um hipotético racionamento parecido com o 2001, PIB pode perder até 2,1 ponto percentual, o que levaria no limite o país a um quadro de estagflação
Faz 91 anos. O início da década de 1930 foi a última vez em que os reservatórios das usinas hidrelétricas das regiões Sudeste e Centro-Oeste estiveram em níveis tão baixos como agora. Nem mesmo durante o racionamento de energia, em 2001, a situação esteve tão crítica.
A diferença entre o cenário atual, o de 2001 e o de quase um século atrás é o contexto econômico: a crise hídrica desta vez coincide com o período de recuperação da atividade econômica no pós-pandemia.
Para manter a oferta de energia, o governo federal tem recorrido às usinas térmicas movidas a gás natural ou carvão, que têm um custo muito mais elevado, mas ainda assim não há garantia de que o sistema vai suportar por muitos meses a mais.
Apesar do cenário delicado para a economia — o racionamento no início do século fez o crescimento desacelerar de 4,4% para 0,5% –, investidores não precificaram adequadamente esses riscos nos preços dos ativos. É o que aponta a gestora RPS Capital.
“O Brasil está indo para o all in [tudo ou nada]. Nesse ritmo, os reservatórios chegarão ao fim do período seco no volume morto”, afirma Paolo Di Sora, sócio da gestora RPS Capital.
Nesta semana, Gabriel Barros, economista-chefe da RPS, e Gustavo Fabricio, analista-chefe de utilities da RPS, divulgaram um relatório que analisa os possíveis efeitos da atual crise energética.
A primeira preocupação apontada pelos analistas foi a inflacionária: o despacho das usinas térmicas pode levar a um aumento de um ponto percentual no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), no final do ano. O IPCA está em 8,99% nos 12 meses acumulados até julho, enquanto o centro da meta de inflação é de 3,5%.
Falta luz, falta PIB
O segundo risco mapeado pela RPS é o de um possível apagão. Se o período de chuvas não trouxer água suficiente para os reservatórios das regiões Sudeste e Centro-Oeste, como tem acontecido nos últimos anos, o Brasil pode não ter alternativa a não ser o racionamento em 2022.
“Estaremos completamente expostos ao índice de chuvas do verão. É um risco que, na minha opinião, está mal precificado pelo mercado, e que afeta tanto a inflação quanto o PIB”, alerta Di Sora.
Com o avanço da imunização dos brasileiros contra a covid-19, economistas em geral têm revisado para cima as expectativas para o crescimento econômico de 2021. Essa deveria ser uma boa notícia, não fosse a correlação entre PIB e demanda de energia.
“Em meio a esse cenário bastante delicado, a recuperação econômica mais forte do que o originalmente esperado tem pavimentado revisões para cima na curva de carga e amplificado a preocupação com o risco de apagão”, pondera a RPS no relatório.
Se o Brasil enfrentar em 2022 um racionamento parecido com o de 20 anos atrás, com redução de carga na ordem de 15%, a perda potencial para o PIB pode chegar a 2,1 ponto percentual. Trata-se, de novo, de um prejuízo relevante, dado que a projeção para o crescimento da economia no ano que vem está em 2%. Em outras palavras, se o racionamento de fato acontecer, a economia pode entrar em recessão.
Se o racionamento levar a uma queda entre 5% e 10% na demanda de energia, o PIB pode deixar de crescer entre 0,7 e 1,4 ponto percentual, ainda de acordo com os cálculos de Barros e Fabricio.
“A despeito da capacidade de absorção de substanciais e múltiplos choques em período tão exíguo, é natural que a economia manifeste maior fraqueza e esteja mais vulnerável a uma nova perturbação no presente, que em se manifestando, pode nos deslocar para um indesejável cenário de ainda mais inflação e menor crescimento ou estagflação”, finaliza o relatório da gestora.