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Pai é inocentado após passar dois anos preso acusado de matar o filho de oito meses

Dorgival Junior foi inocentado pelo tribunal do júri, em Petrolina, depois que perícia particular provou que o bebê morreu após se asfixiar no próprio vômito.

Dorgival José da Silva Junior e a mãe, Maria Luzinete. Ela lutou para provar a inocência do filho — Foto: Emerson Rocha / g1 Petrolina

Durante dois anos e 14 dias, o ajudante de obras Dorgival José da Silva Junior, de 24 anos, ficou preso acusado de matar o filho, um bebê de apenas oito meses. A criança morreu em outubro de 2019, na casa onde morava com os pais e o irmão gêmeo, no bairro Nova Vida 1, em Petrolina, Sertão de Pernambuco.

Na última quinta-feira (25), depois de 12 horas de julgamento no fórum da cidade, a defesa de Dorgival conseguiu provar a inocência dele — a criança, segundo perícia particular pedida pela família, morreu asfixiada pelo próprio vômito. A decisão trouxe alívio para o coração da professora Maria Luzinete Gomes, mãe de Dorgival e avó dos gêmeos.

No dia seguinte ao veredito, Dona Luzinete, que sempre acreditou na inocência do filho, estava na porta do presídio Doutor Edvaldo Gomes para recebê-lo depois de 744 dias. Eles se abraçaram, sem grades ao redor e com o sentimento de que a justiça tinha sido feita.

A retomada da liberdade começou com o pagamento de uma promessa feita por eles. Mãe e filho caminharam por 25 km, durante quase 7 horas, do presídio até a casa de Dona Luzinete, que fica no N1, zona rural de Petrolina.

“As pessoas diziam: ‘você com essa idade, vai a pé, 25 km?’. Eu dizia que isso era pouco. Ruim foi dois anos de espera. Seis horas, sete horas a pé, 25 km, não é nada”, diz Maria Luzinete.

Entenda o caso

 

Para chegar até o final dos 25 km de caminhada, é preciso voltar até a madrugada do dia 20 de outubro de 2019, quando a história da família mudou. “Quando a gente acordou e fomos fazer o leite dos meninos, percebemos que um dos nossos filhos não estava respirando. Ligamos para o Samu, para saber o que tinha acontecido. O Samu chegou, viu a criança e, infelizmente, não tinha mais o que ser feito”, recordou Dorgival.

Na noite da morte do pequeno Douglas Ravi, na casa da família estavam Dorgival, a mãe da criança, o irmão gêmeo de Douglas e a babá. Todos dormindo após retornar de uma festa de aniversário. Depois que o Samu constatou a morte do bebê, a polícia foi chamada. “Foi feita a perícia e depois fomos encaminhados para a delegacia para prestar depoimento”, disse o pai.

Não demorou para que Dorgival fosse considerado suspeito do crime. De acordo com o advogado de defesa, Marcílio Rubens, a perícia técnica, que esteve na casa da família, detectou que Douglas sofreu uma asfixia direta — provocada pela obstrução das vias respiratórias —, o que causou a morte.

“Os indícios iniciais traziam a presença de sangue humano em uma camisa utilizada por Dorgival, no dia anterior à morte do bebê. Essa camisa foi localizada pela perícia e, constatado que o sangue seria do bebê, houve a suposição de que o pai teria praticado o crime. Em razão disso, foi determinada a prisão dele”, explicou o advogado.

Dorgival foi preso no dia 4 de novembro, 14 dias após a morte do filho. Uma situação pela qual ele nunca imaginou passar. “Nunca pensei que além da dor de perder meu filho, ia ser preso por conta disso. Fiquei realmente surpreso”.

Enquanto ele passava os dias presos, do lado de fora a família lutava para provar a sua inocência. Para o advogado, a ação dos familiares foi crucial para o desfecho do caso.

“O que contribuiu sobremaneira, decorrente do próprio esforço, sacrifício financeiro feito pela família, que é uma família simples, mas que se desincumbiu de custear uma perícia particular, de ir em busca de outras provas, sob pena de um sacrifício feito por eles, mas que possibilitou uma contraprova em relação às provas inicialmente produzidas e o questionamento acerca dessas provas, demonstrando que havia falhas investigativas”.

Durante o julgamento, o Ministério Público também pediu a absolvição de Dorgival, por entender que as provas seriam insuficientes para sustentar o pedido de condenação. A defesa alegou que a causa da morte não foi uma esganadura, assim como, que o pai não poderia ser o autor de qualquer violência contra a criança. Por meio de perícia particular paga pela família de Dorgival, ficou provado que Douglas Ravi morreu após se asfixiar no próprio vômito.

Do sonho de ser pai ao pesadelo na prisão

 

Ser pai sempre fez parte dos planos de Dorgival. Quando descobriu que a esposa estava grávida de gêmeos, ele contou que “foi a maior alegria do mundo”.

“Eu tinha o sonho de ser pai, e descobrir que eram gêmeos, foi uma bênção na vida da gente. Eu era muito feliz, muito abençoado por Deus, por ter os meus filhos”.

A morte de Ravi e a prisão mudaram a vida da família de ponta a cabeça. Além da liberdade e do filho morto, Dorgival perdeu os primeiros anos do filho que está vivo, o casamento e o emprego.

“Não conseguia dormir. Além de ter perdido meu filho, fui encaminhado para aquele lugar. Não desejo a ninguém. Perdi o emprego, esse tempo todo que passei lá, longe do meu outro filho. Não tive a oportunidade de acompanhar o crescimento de meu outro filho. O sonho de ser pai. Fui impedido de acompanhar o crescimento do meu filho”, lamenta Dorgival.

Enquanto lutava para comprovar a inocência de Dorgival, a família teve que conviver com notícias falsas sobre a morte da criança. Para Emerson Gomes, mesmo preso, o irmão sempre quis descobrir a verdade sobre a morte da criança.

Maria Luzinete e os filhos, Dorgival e Emerson  — Foto: Emerson Rocha / g1 Petrolina

Maria Luzinete e os filhos, Dorgival e Emerson — Foto: Emerson Rocha / g1 Petrolina

“Eu queria saber o que aconteceu e era o que ele mais queria também. Por isso, ele não se incomodou tanto em estar preso. Apesar de toda dificuldade, de todo esse processo, ele queria descobrir o que aconteceu com o filho dele. Devido [a] tantas mentiras e histórias mal contadas, eu sei que muita gente ao nosso redor acreditava que tinha acontecido isso daí”.

Recomeço

De acordo com o advogado Marcílio Rubens, pelo fato de a absolvição de Dorgival também ter sido solicitada pelo Ministério Público, a tendência é que não haja recurso. Livre das acusações, o pai só pensa em recomeçar a vida. Dorgival disse que, quando soube que seria libertado, só teve um pensamento.

“Ver meu outro filho. Deus fez tudo para que eu possa cuidar dele, recuperar o tempo perdido”.

Religiosa, Maria Luzinete fez do terço seu companheiro fiel durante os dias de prisão do filho. As idas ao presídio eram constantes, mesmo durante a pandemia, quando a entrada de visitantes foi proibida. Foi guiada pelo amor aos filhos, que ela nunca desistiu de lutar por justiça. Agora, a mãe espera que Dorgival consiga recomeçar.

“Espero que alguém possa dar oportunidade ao meu filho e veja ele como cidadão de bem, que ajude ele a arranjar um emprego. Ele tem uma criança para criar”, afirmou.

O sacrifício para provar a inocência de Dorgival, segundo o advogado, custou cerca de R$ 50 mil à família. O dinheiro foi investido na elaboração da perícia complementar e na busca por outras provas. Apesar das dívidas, a mãe não se arrepende. “O mais difícil de tudo foi a ausência dele”.

Ainda de acordo com Marcílio Rubens, com a inocência de Dorgival confirmada, a família pode entrar com ações indenizatórias contra o Estado e os meios de comunicação que publicaram notícias falsas sobre o caso.

“A retratação social, ainda que ela se dê em parte, dificilmente se dará no todo, pela dificuldade de você atingir as mesmas pessoas que tiveram a notícia [de que Dorgival cometeu crime] inicialmente. O que se busca é reconstituir, minimamente, a dignidade dessa família, trazer de volta aquilo que foi perdido, em parte, porque nada devolverá a Dorgival a perda do convívio com filho sobrevivente durante esses dois anos e 14 dias, a vida que ele perdeu de construir”, disse o advogado.

“O que a gente espera é uma reparação mínima. Erros dessa natureza devem servir como exemplo para que não se cometa novos erros, para que não se precipite o julgamento em relação às pessoas antes da maturação efetiva dos fatos”, concluiu.

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Principais restrições do calendário eleitoral começam em julho

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Primeiro turno das eleições municipais será no dia 6 de outubro

 

Marcelo Camargo/Agência Brasil

A partir deste mês, começam a valer as principais restrições previstas no calendário eleitoral para impedir o uso da máquina pública a favor de candidatos às eleições municipais de outubro. As vedações estão previstas na Lei das Eleições (Lei 9.504/1997).

No dia 6 de julho, três meses antes do pleito, começam as restrições para contratação e demissão de servidores públicos. A partir do dia 20, os partidos podem realizar suas convenções internas para a escolha dos candidatos aos cargos de prefeito, vice-prefeito e vereadores.

O primeiro turno das eleições será no dia 6 de outubro. O segundo turno da disputa poderá ser realizado em 27 de outubro nos municípios com mais de 200 mil eleitores, nos quais nenhum dos candidatos à prefeitura atingiu mais da metade dos votos válidos, excluídos os brancos e nulos, no primeiro turno.

Confira as principais restrições

6 de julho 

Nomeação de servidores – a partir do próximo sábado (6), três meses antes do pleito, os agentes públicos não podem nomear, contratar e demitir por justa causa servidores públicos. A lei abre exceção para nomeação e exoneração de pessoas que exercem função comissionada e a contratação de natureza emergencial para garantir o funcionamento de serviços públicos essenciais.

Concursos  – A nomeação de servidores só pode ocorrer se o resultado do concurso foi homologado até 6 de julho.

Verbas  – Os agentes públicos também estão proibidos de fazer transferência voluntária de recursos do governo federal aos estados e municípios. O dinheiro só pode ser enviado para obras que já estão em andamento ou para atender situações de calamidade pública.

Publicidade estatal – A autorização para realização de publicidade institucional de programas de governo também está proibida. Pronunciamentos oficiais em cadeia de rádio e televisão e a divulgação de nomes de candidatos em sites oficiais também estão vedados e só podem ocorrer com autorização da Justiça Eleitoral.

Inauguração de obras – Também fica proibida a participação de candidatos em inaugurações de obras públicas.

20 de julho

Convenções – A partir do dia 20 de julho, os partidos políticos e as federações poderão escolher seus candidatos para os cargos de prefeito, vice-prefeito e vereador. O prazo para realização das convenções termina em 5 de agosto.

Gastos de campanha – Na mesma data, o TSE divulgará o limite de gastos de campanha para os cargos que estarão em disputa.

Direito de resposta – Também começa a valer a possiblidade de candidatos e partidos pedirem direito de resposta contra reportagens, comentários e postagens que considerarem ofensivas na imprensa e nas redes sociais.

 

Agência Brasil

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Ex-diretores da Americanas alvos da PF entram na lista da Interpol

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Dois investigados encontram-se foragidos no exterior

 

Tânia Rêgo/Agência Brasil
Geral

 

Os dois ex-diretores do grupo Americanas investigados pela Operação Disclosure da Polícia Federal (PF) foram incluídos na lista de Difusão Vermelha da Interpol, a polícia internacional. Segundo a PF, os dois alvos de prisão preventiva encontram-se foragidos no exterior.

Com a inclusão dos nomes, as polícias de outros países sabem que eles são procurados no Brasil e podem prendê-los, se decidirem por isso.

Os ex-diretores, cujos nomes não foram divulgados pela PF, são acusados de participação em fraudes contábeis que chegam a R$ 25,3 bilhões, segundo a Polícia Federal (PF). Além dos mandados de prisão preventiva, os agentes cumprem nesta quinta-feira (27), 15 mandados de busca e apreensão e o sequestro de bens e valores autorizados pela Justiça, que somam mais de R$ 500 milhões.

As investigações, que contaram com a colaboração da atual diretoria do grupo Americanas, também tiveram a participação do Ministério Público Federal (MPF) e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

De acordo com a PF, os alvos da operação praticaram fraudes contábeis relacionadas a operações de risco sacado, que consiste numa operação na qual a varejista consegue antecipar o pagamento a fornecedores por meio de empréstimo junto aos bancos.

“Também foram identificadas fraudes envolvendo contratos de verba de propaganda cooperada (VPC), que consistem em incentivos comerciais que geralmente são utilizados no setor, mas no presente caso eram contabilizadas VPCs que nunca existiram”, informou a PF, por meio de nota, divulgada no início da manhã.

Também por meio de nota, o grupo Americanas informou que reitera sua confiança nas autoridades que investigam o caso “e reforça que foi vítima de uma fraude de resultados pela sua antiga diretoria”. De acordo com a empresa os ex-diretores manipularam, de forma intencional, os controles internos existentes. “A Americanas acredita na Justiça e aguarda a conclusão das investigações para responsabilizar judicialmente todos os envolvidos”.

MPF

Segundo o Ministério Público Federal (MPF), foi formalizado um acordo de colaboração premiada com dirigentes da empresa que manifestaram interesse em colaborar com as investigações. Além disso, houve intensa cooperação com um comitê externo constituído pela empresa para apurar as fraudes.

Ainda de acordo com o órgão,  foram ouvidos colaboradores, investigados, realizadas perícias e análises em materiais fornecidos pela empresa e pelos colaboradores.

Em junho de 2023, segundo o MPF, a empresa comunicou oficialmente ao mercado que encontrou inconsistências nas demonstrações financeiras, reforçando a existência da fraude contábil.

*Matéria alterada às 13h18min para acréscimo de informações.

Agência Brasil

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Como desnutrição, toxinas na água e agrotóxicos criaram ‘bolsões de microcefalia’ no Brasil

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Pesquisadora dedicou a última década de sua carreira a entender por que algumas regiões brasileiras — como o Nordeste e o Centro-Oeste — tiveram uma maior frequência de casos de microcefalia em bebês cujas mães foram infectadas pelo vírus zika durante a gestação.

A biomédica Patrícia Garcez se encaixa na rara categoria de pessoas que estavam no lugar certo, na hora certa.

Durante sua formação acadêmica, realizada em grande parte na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ela decidiu entender a fundo uma malformação que até então era muito rara e pouco conhecida: a microcefalia, marcada pelo desenvolvimento inadequado do cérebro durante a gestação.

“Lembro de conversar com uma amiga que trabalha com marketing e, ao explicar o que eu pesquisava, ela me perguntou: ‘Por que você estuda isso, se é algo tão raro? Não seria melhor focar em algo que seja mais comum e que afeta mais pessoas?'”, lembra Garcez.

“Mas isso nunca foi uma questão para mim. Na minha mente de formação biológica, o fato de a condição ser rara não significa que eu vou negligenciá-la ou ignorá-la”, complementa a pesquisadora.

Logicamente, essa conversa com a amiga aconteceu antes de 2015. Naquele ano, o zika, um vírus pouco conhecido, desembarcou no Brasil e foi inicialmente caracterizado como um “primo-irmão” da dengue, transmitido pelo mesmo Aedes aegypti e responsável por sintomas mais leves.

Mas a realidade mostrou-se muito mais complexa. Em maternidades espalhadas pelo país, os médicos começaram a notar um aumento anormal de casos de microcefalia — justamente a condição estudada por Garcez.

As suspeitas de que o zika poderia estar por trás do fenômeno logo se confirmaram, graças a uma série de pesquisas publicadas por cientistas brasileiros (incluindo ela própria) ao longo de 2015 e 2016.

“Quando começou o boom de microcefalia, eu não conseguia dormir… Lia tudo o que saía na imprensa e pensava em como poderia contribuir, já que sou especialista no assunto e não há muitos pesquisadores nessa área”, destaca ela.

Foi assim que começaram a surgir ideias, projetos, colaborações e estudos. À época, Garcez estava vinculada à UFRJ, instituição pela qual publicou todos os artigos que serão citados ao longo da reportagem. Mais recentemente, ela assumiu um cargo de professora no King’s College, uma instituição acadêmica sediada em Londres, no Reino Unido.

Uma das inquietações de Garcez na relação entre zika e microcefalia envolvia a desproporção de casos em determinadas regiões.

“Até pouco antes da pandemia de covid-19, o Brasil concentrava cerca de 95% dos casos da síndrome congênita do zika (SCZ)”, calcula ela.

A SCZ é o termo usado pelos especialistas para descrever todas as alterações no feto em desenvolvimento que são provocadas pela infecção por este vírus — que incluem a microcefalia, além de alterações visuais, auditivas, motoras…

A biomédica destaca que uma pesquisa realizada na Flórida, nos Estados Unidos, estimou que 1% das grávidas infectadas pelo zika transmitiram o vírus para o feto, durante a gestação.

“No Brasil, essa taxa variou entre 3%, 13%, até 40%, a depender de como cada estudo foi feito”, compara ela.

E, mesmo dentro do país, há diferenças importantes de acordo com a localidade dos casos.

Um estudo feito pela Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz) Bahia e outras instituições destaca que, entre setembro de 2015 e abril de 2016, o Brasil teve 41.473 casos prováveis de zika entre gestantes.

A maioria dessas infecções aconteceu no Sudeste (44,6% do total), seguido por Nordeste (26,8%), Sul (26,8%), Centro-Oeste (12,7%) e Norte (11%).

No entanto, dos 1.950 casos de microcefalia relacionados à infecção identificados nesse período em todo o Brasil, 70,4% dos quadros de SCZ aconteceram no Nordeste.

“O que explica uma assimetria tão grande? Por que algumas pessoas são mais atingidas que outras?”, pergunta Garcez.

O grupo de pesquisadores do qual ela faz parte começou a encontrar algumas respostas para essas questões — e, embora ainda restem muitas dúvidas pelo caminho, eles já descobriram que a desnutrição, algumas toxinas presentes na água e certos agrotóxicos ajudam a entender o que aconteceu no Brasil durante o surto de zika.

Falta proteína no prato

Uma das primeiras hipóteses que a biomédica resolveu investigar envolvia a nutrição materna. Será que a qualidade da dieta da gestante poderia ter alguma influência no desenvolvimento de uma microcefalia no bebê?

“Fizemos parcerias com epidemiologistas, que foram às regiões com mais casos de microcefalia e identificaram quadros de desnutrição severa, acima da média, entre muitas dessas mulheres”, explica Garcez.

Com base nesse dado, o grupo resolveu avaliar se a falta de proteínas na alimentação da gestante poderia de alguma maneira contribuir para que o zika conseguisse invadir a placenta e causar estragos no cérebro em desenvolvimento do feto.

Os cientistas focaram no grupo das proteínas, que inclui carnes, ovos, lácteos, entre outros, porque esses alimentos são geralmente os mais caros da cesta básica — e, por essa razão, são menos consumidos por famílias que enfrentam dificuldades econômicas.

As autoridades de saúde estabelecem que uma gestante deve comer entre 60 e 100 gramas de proteína por dia.

“E essa é uma meta que pode ser atingida facilmente se a pessoa tem uma dieta normal, sem restrições financeiras”, observa Garcez.

Para testar essa hipótese, os especialistas restringiram a dieta de camundongos gestantes no laboratório, que passaram a ter acesso a menos proteínas do que o indicado e também foram infectados com o zika.

Os resultados mostram que essa combinação (restrição de proteínas + infecção por zika) levou a alterações severas na estrutura da placenta e no crescimento do embrião. Os ratinhos que nasceram apresentavam uma menor formação de neurônios e um cérebro de tamanho reduzido — ou seja, um quadro similar à SCZ.

O mesmo não aconteceu com os camundongos gestantes que só comeram menos proteínas ou aqueles que foram apenas infectados com o zika. Isso sugere que a junção dos dois fatores ajuda a entender parte desse cenário.

“Suspeitamos que a desnutrição materna pode causar uma supressão do sistema imune, de modo que o vírus consegue atravessar a placenta e causar danos”, sugere a biomédica.

Quando o zika ultrapassa a barreira placentária — especialmente nos primeiros meses de gestação, quando a formação do cérebro está nas etapas iniciais — o estrago é quase certo.

“O zika tem uma capacidade notável de infectar as células-tronco neurais, que são as ‘mães’ de todos os neurônios e formam o Sistema Nervoso Central”, ensina a biomédica.

Seca e cianobactérias

Durante as pesquisas, Garcez conversou com o biólogo Renato Molica, especialista em cianobactérias, um tipo de micro-organismo que vive na água e obtém energia por meio da fotossíntese.

“Ele me contou que havia uma espécie de cianobactéria presente em reservatórios de água, especialmente em regiões de muita seca, que produz uma substância neurotóxica, com capacidade de afetar o cérebro”, lembra ela.

A cianobactéria em questão é a Raphidiopsis raciborskii, que fabrica uma substância chamada saxitoxina.

Vale lembrar que, a partir de 2012, poucos anos antes da chegada do zika ao Brasil, a região Nordeste enfrentou uma das piores secas de sua história. Os mais afetados precisaram recorrer às águas de reservatórios, que muitas vezes acumulam esses micro-organismos.

Será que uma coisa tinha a ver com a outra? O consumo da saxitoxina poderia de alguma maneira “turbinar” os efeitos do zika no cérebro do bebê em formação?

Os experimentos do grupo de Garcez mostraram que sim: o contato com a substância neurotóxica dobrou a quantidade de células neurais mortas pelo zika em testes com organoides, ou “minicérebros” cultivados em laboratório.

“Também colocamos essa cianobactéria na água consumida por camundongos gestantes, cujos fetos ficaram mais suscetíveis à SCZ”, descreve Garcez.

“Essa toxina já causa um certo desarranjo nas células-tronco neurais. Mas, junto com o zika, esse efeito fica muito pior”, complementa ela.

Essa observação acrescentou mais uma evidência que ajuda a entender a discrepância nos números de microcefalia por região. Mas havia outras dúvidas e descobertas pela frente.

Ação dos agrotóxicos

Garcez lembra que o Centro-Oeste também apresentou números mais elevados de microcefalia durante o surto de 2015 e 2016.

Um boletim epidemiológico publicado pelo Ministério da Saúde em setembro de 2022 aponta que essa foi a segunda região mais afetada pela SCZ.

“E lá a condição socioeconômica é mais elevada que a do Nordeste e não houve aquela questão da seca”, observa a cientista.

“Mas sabemos que essa é uma região que usa grandes quantidades de agrotóxicos e herbicidas, por ter muitas terras dedicadas à agricultura”, complementa ela.

Para avaliar se essas substâncias usadas nas plantações poderiam ter alguma influência nesses casos, o grupo de Garcez fez um mapa dos agrotóxicos mais aplicados no país.

“Depois dessa triagem inicial, encontramos o 2,4-D, um herbicida muito usado no Centro-Oeste”, destaca a biomédica.

Ao fazer os testes em laboratório, os pesquisadores viram aquele mesmo efeito sinérgico observado com a desnutrição e as toxinas das cianobactérias: os camundongos gestantes que foram infectados com zika e tomaram água com 2,4-D tinham maior risco de gerar descendentes com problemas no desenvolvimento cerebral.

“E as quantidades de 2,4-D que foram usadas no estudo estavam dentro do considerado aceitável”, destaca Garcez.

Vale destacar que esse último estudo ainda não foi publicado em revistas acadêmicas, algo que deve acontecer nos próximos meses. Essa etapa é fundamental para que o experimento seja revisado por especialistas independentes.

Quem é o verdadeiro culpado

Garcez lembra que, apesar da importância de conhecer todos os cofatores que ampliam a susceptibilidade à microcefalia, é preciso estabelecer as prioridades e os focos.

“O zika é o grande vilão dessa história”, lembra ela.

A pesquisadora também conta que algumas suspeitas não se comprovaram nas pesquisas.

“Nós testamos o herbicida glifosato, por exemplo, mas não observamos qualquer sinergia com o zika”, cita ela.

A biomédica acrescenta que algumas pesquisas feitas por outros grupos sugerem que infecções prévias por dengue podem alterar o risco de transmissão vertical do zika (da gestante para o feto em formação), embora esse tema ainda seja controverso.

“Outro ponto explorado é a questão do aborto. Sabemos que mulheres de algumas regiões do país têm maior acesso ao procedimento, mesmo que ele não esteja legalizado no Brasil nesses casos”, acrescenta Garcez.

Ou seja: pode ser que algumas gestantes que tiveram zika e receberam o diagnóstico de SCZ no bebê em desenvolvimento tenham optado por não seguir com a gravidez adiante.

“E isso pode confundir e mascarar um pouco esse mapa da SCZ”, diz ela.

Por fim, a biomédica destaca que ainda há muito a se descobrir sobre o zika e os “bolsões de microcefalia”.

“Nós precisamos entender melhor por que algumas mulheres têm mais propensão a transmitir o zika para o feto. Será que há alguma característica do vírus ou da genética das pacientes que aumente o risco de SCZ?”, questiona a especialista.

“Também precisamos conhecer quais são as consequências da síndrome congênita a longo prazo. Como esses pacientes que tiveram o cérebro afetado pelo zika vão se desenvolver? Como elas estarão na fase adulta? Eles conseguirão ser independentes ou estudar?”, complementa ela.

Encontrar essas respostas é importante não apenas para passar a limpo o surto de zika que ocorreu há quase uma década — mas também para lidar com as futuras crises relacionadas a esse vírus.

“O surto pode acontecer de novo, pois o zika continua a circular e o mosquito Aedes aegypti está sempre por aí. Além disso, as novas gerações não estarão imunes a essa infecção”, conclui ela.

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