É só fazer as contas. Se esse colaborador gastava uma hora e meia para chegar ao trabalho é porque acordou, fez sua higiene pessoal e se arrumou em, digamos, 45 minutos. Assim sendo, entre a cama e a cadeira de trabalho, na melhor das hipóteses, gastou-se duas horas e quinze minutos – o suficiente para que a labuta já começasse com alguma fadiga.
No mundo privado, no entanto, é difícil criar situações diversionistas ou explicar parcos resultados. Mas, num poder da República, no qual todos representantes são considerados autoridades, quem é que puxa a orelha de quem está trabalhando pouco? É quase impossível. De qualquer forma, os representantes do povo acabaram se esforçando mais do que o fazem normalmente. E por que ocorreu isso?
Neste momento pandêmico, contou-se com dois fatores importantes no caso do Senado – ambos bastante singelos. Um deles diz respeito ao cafezinho. Como os senadores estão sempre negociando votos, o cafezinho é o lugar ideal para convencer qualquer colega a apoiar um projeto. A pandemia, entretanto, introduziu as reuniões virtuais e esvaziou o prédio do Congresso, transformando o local onde os senadores tomavam café em uma sala fantasma. Sem perder muito tempo com as conversas paralelas que acompanhavam qualquer negociação, o foco dos congressistas aumentou e seus resultados idem.
Outro ponto foi a dificuldade – para não dizer a quase impossibilidade – de se realizar obstruções no ambiente online. Quando um partido (ou do bloco) decide obstruir uma votação, seus parlamentares deixam o Plenário, ficando presente apenas o líder da sigla. Pelas regras, atuais, no entanto, o quórum eletrônico no início da sessão é o que vale. Dessa forma, o recurso de obstruir votações dificilmente é utilizado no Parlamento virtual. Sem interrupções, o fluxo de deliberações corre mais solto e, assim, ganha-se uma produtividade maior.
Quando se eleva este índice, o senso comum é o de que as pessoas passaram a trabalhar mais. Não necessariamente. Uma frase famosa de Henry Ford diz o seguinte: “Aumentar a produtividade significa menos suor humano, não mais”. O que se observa no Senado é exatamente o espírito da frase proferida por Ford. Não se passou a trabalhar mais – somente se dirigiu as energias de maneira mais efetiva e, com isso, quase se dobrou o número de matérias analisadas pelos senadores.
O sistema deu tão certo que deveria ser utilizado após o final da pandemia. Não dizem que as empresas devem adotar soluções híbridas, misturando trabalho presencial e remoto? A julgar pelos resultados obtidos pelos senadores, esse caminho parece ser o ideal – especialmente porque ainda estamos no início deste processo e as melhores soluções tecnológicas para aprimorar o fluxo de trabalho ainda serão criadas.
Peter Drucker disse que “eficiência é fazer as coisas de maneira correta. Já eficácia tem a ver com fazer as coisas certas”. O que o Senado fez foi juntar as duas coisas e fazer um golaço raro em campos públicos – quase que dobrar sua performance em poucos dias.
Os senadores deveriam aproveitar o embalo e pensar duas vezes antes de ter ideias estapafúrdias, como o projeto que resolveu falar em tabelar os juros do cartão de crédito e do cheque especial durante a pandemia. Concorda-se que as taxas estejam muito altas nessas modalidades financeiras. Mas até uma criança sabe que tabelamentos de preços ou de taxas simplesmente não funcionam. A mão invisível do mercado sempre arruma um jeito de inviabilizar aqueles que querem engessar tarifas ou juros na base do decreto. O país já passou por dois congelamentos desastrosos, que nos ensinaram lições que pareciam ser eternas. Pelo jeito, o Senado decidiu jogar para a torcida e queimar qualquer manual com as teorias econômicas mais básicas.
De nada adiantará ser mais produtivo se as matérias em votação forem insensatas, imprudentes e desmioladas. Através da demagogia, pode-se conquistar rapidamente a simpatia do eleitorado. Mas esse é o tipo de situação insustentável, cuja fatura será cobrada rapidamente. Chega de tentar reinventar algo que nunca deu certo em nenhum lugar do mundo.