Mundo
Morte do jornalista Khashoggi completa um ano, sem punição de culpado
Príncipe herdeiro saudita Mohammed Bin Salman assume responsabilidade pelo crime, em Istambul; corpo continua desaparecido
Pouco antes de ser executado no Consulado da Arábia Saudita em Istambul, o jornalista Khamal Khashoggi ouviu a zombaria de seus algozes, que chegaram a dizer que “um açougueiro não corta sua carne no chão”. A morte do dissidente saudita, colaborador do jornal The Washington Post, completa um ano na quarta-feira, 2, sem que seu corpo tenha sido encontrado.
O príncipe herdeiro do reino, Mohammed Bin Salman, se responsabiliza por seu brutal assassinato, mas está longe de sofrer qualquer punição pelo crime, que obscurece da monarquia da Casa dos Saud.
A advogada britânica Helena Kennedy participou da investigação da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a morte de Khashoggi e informou a BBC ter ouvido gravação fornecida pelas autoridades turcas – que mantinham microfones no consulado saudita -, nas quais o jornalista é descrito como “animal destinado ao sacrifício”. Seu depoimento consta de documentário transmitido no programa Panorama na noite de segunda-feira 30.
“Eles se perguntavam ‘se o corpo e o quadril dariam dentro de uma bolsa’”, disse ela Kennedy.
Na gravação, segundo Kennedy, é possível ouvir o médico legista suspeito de ter desmembrado o corpo em pedaços. “Costumo ouvir música ao cortar cadáveres. Às vezes, com um café e um cigarro na mão. É a primeira vez na minha vida que tenho que cortar pedaços no chão – até um açougueiro que quer cortar um animal o pendura”, disse o legista.
“Você os ouve rir, é arrepiante”, contou a advogada. “Você ouve Khashoggi passar do sentimento de confiança ao medo, depois a uma agonia crescente, ao terror e, finalmente, à percepção de que algo vai acontecer.”
A relatora especial da ONU Agnès Callamard, que também ouviu a gravação, disse que Khashoggi perguntou a seus carrascos se iriam aplicar uma injeção nele. A resposta foi afirmativa.
“O que ouvimos depois mostra que ele está sendo sufocado, provavelmente com um saco plástico na cabeça”, relatou Callamard. “Algum tempo depois, alguém diz: ‘É um cachorro, ponha isso na cabeça dele, e a envolva’. Só podemos entender que eles cortaram a cabeça dele”, explicou ela à BBC.
Jornalista crítico ao reino, Khashoggi vivia nos Estados Unidos. Em 2 de outubro de 2018, foi ao consulado saudita em Istambul para resolver a papelada de seu casamento. Sua noiva o aguardava do lado de fora e, como não o viu sair do prédio, alertou as autoridades turcas.
A Turquia entregou à ONU uma gravação de 45 minutos registrada no interior do consulado e concluiu, em sua investigação, que uma equipe de 15 agentes sauditas fora deslocada da Arábia Saudita para Istambul com a missão de assassinar Khashoggi. A CIA e Callamard apontaram Salman como responsável pelo crime e, em tentativa de restaurar sua imagem, o reino saudita levou 11 suspeitos à Justiça. Cinco deles podem ser sentenciados à morte.
Em entrevista à rede americana de televisão PBS que irá ao ar nesta terça-feira, ele reconheceu sua culpa. “Aconteceu sob minha guarda. Eu assumo toda a responsabilidade, porque aconteceu sob minha guarda”, disse.
Fantasma
O tratamento da crise por parte de Riade, que chegou a mudar em várias vezes a versão do que aconteceu, causou um grande prejuízo na sua imagem e credibilidade que teve consequências. A relatora da ONU para execuções extrajudiciais apontou diretamente para MBS em junho pelo crime, e o Senado dos Estados Unidos acusou por unanimidade o príncipe herdeiro em dezembro pelo assassinato.
Até hoje, apesar de um caso aberto pelo crime na Arábia Saudita contra 11 pessoas, em que o Ministério Público solicitou pena de morte a cinco acusados, o caso está longe de terminar.
“O caso Khashoggi não está encerrado. O caso Khashoggi está suspenso em troca de uma conta econômica volumosa, enquanto a Casa Branca e seu atual inquilino (presidente Donald Trump) seguem considerando que há benefício econômico a extrair mantendo o caso em suspenso”, disse Haizam Amirah-Fernández, do Real Instituto Elcano.
O caso Khashoggi afetou o governo saudita de diferentes maneiras. A atração de investimentos para projetos como o Visão 2030 – programa faraônico de mudanças econômicas para “revolucionar” os setores de tecnologia, turismo e desenvolvimento urbano e para reduzir a dependência das exportações de petróleo – está abaixo do esperado.
O aumento da tensão no Golfo Pérsico, a guerra no Iêmen e a tensa relação com o Irã contribuíram para a redução da classificação de risco Arábia Saudita de A + para A pela agência Fitch.
Para Gerd Nonneman, professor da Universidade de Georgetown, é verdade que, por razões econômicas e pragmáticas, algumas empresas e governos mantiveram e reconstruíram as relações com Riad. “Mas também é verdade que esses relacionamentos, pelo menos com o Ocidente e parte da comunidade empresarial global, ainda estão danificados e desacelerados”, disse ele.
Em sua opinião, vários fatores influenciam essa situação: por um lado, o regime saudita e Bin Salman são vistos como culpados de crime”; depois, o incidente é um sintoma de um “clima problemático” e, em terceiro lugar, as reformas econômicas são limitadas pelas políticas “muito imprevisíveis” do príncipe herdeiro.
Desde sua nomeação como chefe de governo, em janeiro de 2015, Bin Salman impulsionou mudanças para abrir a ultra-conservadora Arábia Saudita. As mulheres foram autorizadas a dirigir veículos e a viajar sem a permissão do marido ou do pai, houve abertura de mais espaços para o investimento e, mais recentemente, os vistos de turista foram aprovados pela primeira vez.
Em paralelo, MBS acumulou poder que um príncipe herdeiro nunca teve na Arábia Saudita. Isso lhe permitiu apresentar uma agressiva forma de fazer política, que inclui uma guerra no cara no Iêmen, a inflexibilidade com os ativistas de direitos humanos e a forma como lidou com Khashoggi. “O caso Khashoggi demonstra o custo de permitir a impunidade em aventuras arriscadas dos líderes neófitos”, disse Amirah-Fernández.
Para o analista, a abordagem de muitos no Ocidente “é que as políticas desse jovem estadista podem colocá-los em longo prazo em uma boa confusão” e há “temor” sobre a confiança a ser depositada nesse líder, que permanecer no poder por décadas”.
“O fantasma de Khashoggi perseguirá ao ao lado do príncipe herdeiro para sempre, independente de sua responsabilidade futura”, afirmou.
Manequins desmembrados
Un an après le meurtre du journaliste Jamal Khashoggi, RSF dépose des mannequins démembrés devant un consulat saoudien en France pour exiger toute la lumière sur cet assassinat et l’arrêt des exactions contre la presse #AFP pic.twitter.com/xeKrRlilfj
— Agence France-Presse (@afpfr) 1 de outubro de 2019
Para recordar um ano do assassinato de Khashoggi, a organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) espalhou nesta terça-feira vários manequins desmembrados na frente do consulado saudita em paris, exigindo que as circunstâncias de sua morte sejam esclarecidas. Os manequins de plástico portavam coletes com a palavra “Press” (imprensa, em inglês).
De acordo com o secretário-geral da RSF, Christophe Deloire, a ação também tem o objetivo de chamar a atenção de todos que buscam a liberdade de imprensa na Arábia Saudita. Atualmente, segundo Deloire, cerca de 30 jornalistas e blogueiros estão detidos neste país.
Deloire se mostrou cético em relação às declarações do príncipe herdeiro saudita. Ele negou ter ordenado o assassinato do jornalista, mas assumiu “a responsabilidade como líder da Arábia Saudita”. “É uma maneira de se livrar de perguntas sobre sua culpa pessoal e sua responsabilidade de se comprometer com a liberdade de imprensa na Arábia Saudita, onde o jornalismo está sujeito a uma repressão feroz”, afirmou o secretário-geral da ONG.
(Com AFP e EFE)
Mundo
Corte japonesa ordena que governo pague indenização por esterilizações forçadas
Cerca de 25 mil japoneses foram vítimas de lei que tinha objetivo de “prevenir aumento dos descendentes inferiores”
Numa decisão histórica, o Supremo Tribunal do Japão ordenou ao governo que pagasse indenizações às pessoas que foram esterilizadas à força ao abrigo de uma lei de eugenia agora extinta, decidindo que a prática era inconstitucional e violava os seus direitos.
A Lei de Proteção Eugênica, em vigor entre 1948 e 1996, permitiu às autoridades esterilizar à força pessoas com deficiência, incluindo aquelas com perturbações mentais, doenças hereditárias ou deformidades físicas e lepra. Também permitia abortos forçados se um dos pais tivesse essas condições.
A lei tinha como objetivo “prevenir o aumento dos descendentes inferiores do ponto de vista eugênico e também proteger a vida e a saúde da mãe”, segundo uma cópia da lei – que listava “notável desejo sexual anormal” e “notável inclinação clínica” entre as condições visadas.
Cerca de 25 mil pessoas foram esterilizadas sem consentimento durante esse período, de acordo com a decisão do tribunal, citando dados do ministério.
Embora o governo tenha oferecido compensar cada vítima em 3,2 milhões de ienes (cerca de US$ 19,8 mil) em 2019, ao abrigo de uma lei de assistência, as vítimas e os seus apoiadores argumentaram que isso estava longe de ser suficiente.
A decisão de quarta-feira (3) abordou cinco ações desse tipo, movidas por demandantes de todo o país em tribunais inferiores, que depois avançaram para a Suprema Corte.
Em quatro desses casos, os tribunais inferiores decidiram a favor dos demandantes – o que o Supremo Tribunal confirmou na quarta-feira, ordenando ao governo que pagasse 16,5 milhões de ienes (cerca de US$ 102 mil) aos atingidos e 2,2 milhões de ienes (US$13 mil) aos seus cônjuges.
No quinto caso, o tribunal de primeira instância decidiu contra os demandantes e rejeitou o caso, citando o prazo de prescrição de 20 anos. O Supremo Tribunal anulou esta decisão na quarta-feira, qualificando o estatuto de “inaceitável” e “extremamente contrário aos princípios de justiça e equidade”.
O caso agora é enviado de volta ao tribunal de primeira instância para determinar quanto o governo deve pagar.
“A intenção legislativa da antiga Lei de Proteção Eugênica não pode ser justificada à luz das condições sociais da época”, disse o juiz Saburo Tokura ao proferir a sentença, segundo a emissora pública NHK.
“A lei impõe um grave sacrifício sob a forma de perda da capacidade reprodutiva, o que é extremamente contrário ao espírito de respeito pela dignidade e personalidade individuais, e viola o artigo 13º da Constituição”, acrescentou – referindo-se ao direito de cada pessoa à vida, liberdade e a busca pela felicidade.
Após a decisão de quarta-feira, os manifestantes do fora do tribunal – homens e mulheres idosos, muitos em cadeiras de rodas – celebraram com os seus advogados e apoiadores, erguendo faixas onde se lia “vitória”.
Eles estão entre o total de 39 demandantes que entraram com ações judiciais nos últimos anos – seis deles morreram desde então, de acordo com a NHK, destacando a urgência desses casos à medida que as vítimas chegam aos seus anos finais.
Numa conferência de imprensa após a decisão do tribunal, o secretário-chefe do gabinete, Yoshimasa Hayashi, expressou o remorso e o pedido de desculpas do governo às vítimas, informou a NHK. O governo pagará prontamente a compensação e considerará outras medidas, como uma reunião entre os demandantes e o primeiro-ministro Fumio Kishida, disse ele.
Este conteúdo foi criado originalmente em inglês.
versão original
Mundo
Polícia desmobiliza protesto pró-Palestina no parlamento australiano
Manifestantes carregavam faixa em que denunciavam Israel por crimes de guerra
Quatro manifestantes pró-Palestina foram levados sob custódia policial nesta quinta-feira (4) depois de escalarem o telhado do parlamento australiano em Canberra.
Os manifestantes, vestidos com roupas escuras, permaneceram no telhado do prédio por cerca de uma hora. Eles estenderam faixas pretas, incluindo uma que dizia “Do rio ao mar, a Palestina será livre”, um refrão comum dos manifestantes pró-Palestina, e entoaram slogans.
Os manifestantes empacotaram suas faixas antes de serem levados pela polícia que os aguardava por volta das 11h30, horário local.
Mundo
Reino Unido vai às urnas hoje em eleição que deve tirar Conservadores do poder
País se prepara para entrar em uma nova era política com provável derrota do grupo há 14 anos no comando
Os britânicos vão às urnas nesta quinta-feira (4) em uma votação histórica para eleger um novo parlamento e governo nas eleições gerais. Pesquisas atuais indicam que o atual primeiro-ministro Rishi Sunak, do Partido Conservador, vai perder, encerrando uma era de 14 anos do grupo no poder.
A eleição é um referendo sobre o tumultuado governo dos Conservadores, que estão no comando do Reino Unido desde 2010 e passaram por uma crise financeira global, o Brexit e a pandemia.
Se os Trabalhistas obtiverem 419 assentos ou mais, será o maior número de assentos já conquistados por um único partido, superando a vitória esmagadora de Tony Blair em 1997.
Como funcionam as eleições?
O parlamento britânico tem 650 assentos. Para ter maioria, é preciso conseguir 326 assentos.
Após uma campanha de semanas, as urnas serão abertas às 7h, no horário local, desta quinta-feira (3h, horário de Brasília), e permanecerão abertas até às 22h.
Os britânicos podem votar em cada um dos 650 distritos eleitorais do país, selecionando o candidato que representará a área.
O líder do partido que ganhar a maioria desses distritos eleitorais se torna primeiro-ministro e pode formar um governo.
Se não houver maioria, eles precisam procurar ajuda em outro lugar, governando como um governo minoritário — como Theresa May fez após um resultado acirrado em 2017 — ou formando uma coalizão, como David Cameron fez depois de 2010.
O monarca tem um papel importante, embora simbólico. O rei Charles III deve aprovar a formação de um governo, a decisão de realizar uma eleição e a dissolução do Parlamento. O rei nunca contradiz seu primeiro-ministro ou anula os resultados de uma eleição.
A votação antecipada desta quarta-feira (4) foi convocada por Sunak. O atual primeiro-ministro era obrigado a divulgar uma eleição até janeiro de 2025, mas a decisão de quando fazê-lo cabia somente a ele.
O evento, contudo, provavelmente inaugurará um governo de centro-esquerda liderado pelo ex-advogado, Keir Starmer.
Quem é Keir Starmer?
O rival de Rishi Sunak é o líder trabalhista Keir Starmer, que é amplamente favorito para se tornar o novo primeiro-ministro britânico.
Ex-advogado de direitos humanos muito respeitado que então atuou como o promotor mais sênior do Reino Unido, Starmer entrou na política tarde na vida.
Starmer se tornou um parlamentar trabalhista em 2015 e menos de cinco anos depois era o líder do partido, após uma passagem como secretário do Brexit no Gabinete Paralelo durante a saída prolongada do Reino Unido da União Europeia.
O britânico herdou um partido que se recuperava de sua pior derrota eleitoral em gerações, mas priorizou uma reformulação da cultura, se desculpando publicamente por um escândalo de antissemitismo de longa data que manchou a posição do grupo com o público.
Starmer tentou reivindicar o centro político do Reino Unido e é descrito por seus apoiadores como um líder sério e de princípios. Mas seus oponentes, tanto na esquerda de seu próprio partido quanto na direita do espectro político, dizem que ele não tem carisma e ideias, e o acusam de não ter conseguido estabelecer uma visão ambiciosa e ampla para a nação.
Quando saíram os resultados?
Após a abertura das urnas nesta quinta-feira (3), a mídia britânica estará proibida de discutir qualquer coisa que possa afetar a votação.
Mas no momento que a votação acabar, uma pesquisa de boca de urna será divulgada e definirá o curso da noite. A pesquisa, feita pela Ipsos para a BBC, ITV e Sky, projeta a distribuição de assentos do novo parlamento, e historicamente tem sido muito precisa.
Os resultados reais são contados ao longo da noite; o escopo do resultado da noite geralmente fica claro por volta das 3 da manhã, horário local (23h, horário de Brasília), e o novo primeiro-ministro geralmente assume o cargo ao meio-dia.
Mas as coisas podem demorar mais se o resultado for apertado ou se as vagas principais forem decididas na reta final.
De qualquer forma, a transferência de poder acontecerá no fim de semana, dando ao novo governo algumas semanas para trabalhar em legislações importantes antes do recesso parlamentar de verão.
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