Geral
Medo de brasileiro fugitivo fecha atração turística nos EUA
As buscas pelo brasileiro Danilo Cavalcante, condenado à prisão perpétua nos Estados Unidos, entraram nesta sexta-feira (8/9) no nono dia. Uma atração turística foi fechada “até segunda ordem” depois que ele foi flagrado por um morador nas proximidades do local, informou a polícia.
Cavalcante foi visto novamente perto do jardim botânico Longwood Gardens, um popular cartão postal da cidade, pouco antes do meio-dia do horário local 13h de Brasília) da quinta-feira (7/9), segundo o tenente-coronel da Polícia Estadual da Pensilvânia, George Bivens, que lidera a busca.
Por esse motivo, a atração turística foi fechada.
“Enquanto a busca pelo prisioneiro fugitivo da prisão do condado de Chester continua, nossos jardins estão fechados até novo aviso”, informou a administração do jardim botânico.
A área onde Cavalcante foi visto não fica longe de onde uma câmera de vigilância que flagrou o brasileiro caminhando pela mata duas vezes em uma hora na noite de segunda-feira (4/9).
Bivens disse que ele e centenas de policiais de agências locais, estaduais e federais estão agora mais esperançosos com a possível captura de Cavalcante.
“Esta é uma operação incrível acontecendo aqui”, disse Bivens na tarde de quinta-feira em entrevista a jornalistas. “Esta não é uma situação em que temos um policial sentado esperando a chegada de ligações.”
A caçada por Cavalcante mobiliza, além de dezenas de agentes policiais, drones e helicópteros. Escolas foram fechadas e moradores aconselhados a não saírem de casa.
Segundo as autoridades, o brasileiro é “extremamente perigoso”.
Ele fugiu da prisão na semana na manhã de 31 de agosto, escalando paredes separadas por um corredor de 1,5 metro de largura. Sua fuga viralizou nas redes sociais e foi notícia ao redor do mundo.
Cavalcante foi condenado à prisão perpétua nos EUA por matar sua ex-namorada, a maranhense Débora Evangelista Brandão, com 38 facadas, em abril de 2021.
A vítima tinha 34 anos e foi assassinada na frente dos dois filhos pequenos, que tinham quatro e sete anos na época.
Segundo as investigações, Cavalcante não aceitava o fim do relacionamento e, desde 2020, ameaçava a vítima.
Ele foi preso menos de duas horas depois do assassinato.
O nome do brrasileiro ‘r divulgado como Danelo, nos comunicados e posts nas redes sociais da polícia americana.
‘Aterrorizados e barricados dentro de casa’
Na mesma entrevista a jornalistas desta quinta-feira, a promotora distrital do condado de Chester, Deb Ryan, que liderou a acusação que resultou na condenação de Cavalcante, afirmou que a família de Brandão está aterrorizada e preocupada com sua segurança.
“Eles estão aterrorizados. Não saem de casa e estão barricados, muito preocupados com sua segurança”, disse ela.
Segundo Ryan, uma investigação está em curso para entender como Cavalcante conseguiu fugir da prisão.
Ele foi flagrado diversas vezes desde sua fuga, todas em locais próximos ao presídio. As autoridades acreditam que o brasileiro esteja usando áreas densamente arborizadas para evitar a captura.
Cavalcante também é procurado por assassinato no Brasil ocorrido em 2017 no Tocantins. Ele é réu no caso do homicídio em que Valter Júnior Moreira dos Reis foi morto a tiros em uma praça em Figueirópolis.
O motivo para o crime teria sido uma briga relacionada ao conserto de um carro.
Fuga
Segundo autoridades, Cavalcante escalou as mesmas paredes que outro preso escalou no início deste ano para escapar. Elas dizem que arame farpado foi instalado após a fuga anterior, mas este não foi eficaz para impedir a fuga do brasileiro.
O diretor interino da prisão do condado de Chester falou em entrevista a jornalistas que a prisão contratou consultores de segurança após a fuga de Igor Bolte em 19 de maio.
Em depoimento à polícia após sua captura, Bolte afirmou que confiou em seu conhecimento de escalada para escapar.
Os consultores “identificaram uma insuficiência”, disse o diretor-interino Howard Holland, e arame farpado foi instalado para impedir que outros presos usassem a mesma rota de saída.
“Embora acreditássemos que os nossos métodos de segurança eram suficientes, foi provado o contrário. E agora avançaremos rapidamente para melhorar as nossas medidas de segurança”, disse Holland.
O vídeo mostra como ele “subiu uma parede como um caranguejo, passando por arame farpado”, disse Holland na quarta-feira.
Após chegarem ao telhado, os presos, em ambos os casos, conseguiram descer uma escada até uma parte menos segura da prisão.
Questionado sobre como uma fuga parecida com a anterior pôde acontecer em tão pouco tempo, Holland respondeu: “Pensamos que tínhamos feito os esforços apropriados para evitar isso com o arame farpado”.
No momento da fuga, pouco antes das 9h (9h de Brasília), havia um agente penitenciário na torre de observação.
Mas ele aparentemente não conseguiu monitorar o circuito interno de TV, ao contrário do caso de maio, quando o preso foi recapturado apenas cinco minutos depois de escapar, após ser flagrado em monitores de vídeo.
O policial designado para supervisionar a área de onde Cavalcante fugiu foi suspenso e está sob investigação da Procuradoria-Geral do Estado.
“A ação do oficial da torre de observação durante a fuga é uma parte fundamental da investigação”, disse Holland.
Na segunda-feira, as autoridades começaram a usar helicópteros e carros-patrulha para divulgar uma mensagem de áudio gravada pela mãe de Cavalcante no Brasil, na qual ela pede que ele se renda.
Uma recompensa de US$ 10 mil (R$ 50 mil) foi inicialmente por informações que levem à sua captura. Posteriormente, esse valor dobrou, para US$ 20 mil (R$ 100 mil).
Crime
Autoridades afirmam que Débora Brandão, ex-namorada de Cavalcante, estava fora de casa com os dois filhos no dia 18 de abril de 2021.
Cavalcante se aproximou dela, agarrou-a pelos cabelos, “jogou-a no chão e esfaqueou-a 38 vezes em praticamente todos os órgãos vitais… fazendo-a sangrar até a morte”, disse o gabinete do promotor distrital do condado de Chester em uma postagem no Facebook.
Os filhos de Brandão, de sete e quatro anos na época, correram para pedir ajuda aos vizinhos, e Cavalcante fugiu, acrescentou a promotoria.
A menina de sete anos disse à polícia que quando Cavalcante começou a esfaquear Brandão, disse que iria matá-la, segundo o inquérito policial.
Ele foi preso várias horas depois no estado americano da Virgínia, disseram os promotores.
Autoridades acreditam que Cavalcante estava tentando fugir para o México — Foto: Reprodução/ Facebook
As autoridades acreditam que Cavalcante estava tentando fugir para o México com a intenção de seguir mais tarde para o Brasil, disse a promotora distrital Deb Ryan.
A polícia do município de Schuylkill foi enviada à casa por volta das 16h17 do dia do assassinato e encontrou Brandão no chão “com múltiplas facadas no peito”, disse o gabinete da promotora.
Débora Brandão tinha dois filhos e foi morta por Cavalcante — Foto: Gabinete da Procuradora Distrital do Condado de Chester via BBC
Uma vizinha tentou realizar primeiros socorros em Brandão enquanto esperavam a chegada dos serviços médicos de emergência, mas ela foi declarada morta em um hospital pouco depois.
Após o esfaqueamento, a filha de Brandão, de sete anos, disse à polícia que Cavalcante apareceu na casa deles e “disse que ia fazer algo ruim na vida deles e tirou duas facas de uma bolsa preta que estava nas costas”.
A filha disse que começou a gritar e Cavalcante jogou uma pedra nela, atingindo sua perna, segundo o inquérito policial.
Após correr até o vizinho em busca de socorro, a menina olhou para fora e viu Cavalcante fugindo em um carro preto.
A irmã de Brandão, Sarah, disse que as duas eram melhores amigas e que, quando soube do assassinato de Débora, seu “mundo acabou”. Ela ficou com a guarda das crianças.
Em entrevista à emissora americana CNN, Sarah afirmou que Cavalcante passou de vizinho amigável a namorado ciumento.
Deborah disse à irmã que “ele foi legal com ela, foi legal com os filhos dela, que a ajudou”, mas “as coisas mudaram com o tempo”.
“Ela ficava dizendo que ele tinha muito ciúme, que quando bebia virava uma pessoa diferente, que ficava mexendo no celular dela”, disse Sarah.
Brandão havia entrado com um mandado de prevenção de abuso contra Cavalcante em dezembro de 2020, segundo o inquérito policial.
A ordem de restrição mostra que ele tinha histórico de agressões a Brandão e já havia apontado uma faca para ela.
“Esta foi uma tragédia sem sentido que impactou inúmeras pessoas devido às ações frias, calculadas e hediondas do réu”, disse o procurador Ryan, que liderou a equipe de acusação contra Cavalcante, no mês passado.
“Os filhos de Brandão ficaram agora órfãos de mãe e ela nunca terá a oportunidade de ver os filhos crescerem, terminarem a escola ou constituírem família própria”, acrescentou ele.
A filha de Brandão testemunhou no caso e “ajudou a obter justiça para sua mãe”, disse o promotor público. A menina também identificou Cavalcante em uma fotografia logo após o assassinato e disse à polícia: “É ele, é o cara que matou minha mãe. Por favor, pegue-o e coloque-o na prisão”, segundo o depoimento.
Em 16 de agosto de 2023, Cavalcante foi condenado por homicídio, segundo o Ministério Público dos EUA, e poucos dias depois, condenado à prisão perpétua sem possibilidade de liberdade condicional.
Os advogados de Cavalcante disseram aos jurados durante o julgamento que ele foi provocado e “agredido” quando atacou Brandão.
Sarah disse que vive com medo desde a fuga de Cavalcante da prisão e teme que ele venha atrás dela.
“Faz muitos dias que não durmo. Desde então, tenho acordado assustada à noite. Cochilo e acordo com medo”, disse ela à CNN.
Apesar disso, ela acredita que a polícia irá capturá-lo.
Geral
Principais restrições do calendário eleitoral começam em julho
Primeiro turno das eleições municipais será no dia 6 de outubro
A partir deste mês, começam a valer as principais restrições previstas no calendário eleitoral para impedir o uso da máquina pública a favor de candidatos às eleições municipais de outubro. As vedações estão previstas na Lei das Eleições (Lei 9.504/1997).
No dia 6 de julho, três meses antes do pleito, começam as restrições para contratação e demissão de servidores públicos. A partir do dia 20, os partidos podem realizar suas convenções internas para a escolha dos candidatos aos cargos de prefeito, vice-prefeito e vereadores.
O primeiro turno das eleições será no dia 6 de outubro. O segundo turno da disputa poderá ser realizado em 27 de outubro nos municípios com mais de 200 mil eleitores, nos quais nenhum dos candidatos à prefeitura atingiu mais da metade dos votos válidos, excluídos os brancos e nulos, no primeiro turno.
Confira as principais restrições
6 de julho
Nomeação de servidores – a partir do próximo sábado (6), três meses antes do pleito, os agentes públicos não podem nomear, contratar e demitir por justa causa servidores públicos. A lei abre exceção para nomeação e exoneração de pessoas que exercem função comissionada e a contratação de natureza emergencial para garantir o funcionamento de serviços públicos essenciais.
Concursos – A nomeação de servidores só pode ocorrer se o resultado do concurso foi homologado até 6 de julho.
Verbas – Os agentes públicos também estão proibidos de fazer transferência voluntária de recursos do governo federal aos estados e municípios. O dinheiro só pode ser enviado para obras que já estão em andamento ou para atender situações de calamidade pública.
Publicidade estatal – A autorização para realização de publicidade institucional de programas de governo também está proibida. Pronunciamentos oficiais em cadeia de rádio e televisão e a divulgação de nomes de candidatos em sites oficiais também estão vedados e só podem ocorrer com autorização da Justiça Eleitoral.
Inauguração de obras – Também fica proibida a participação de candidatos em inaugurações de obras públicas.
20 de julho
Convenções – A partir do dia 20 de julho, os partidos políticos e as federações poderão escolher seus candidatos para os cargos de prefeito, vice-prefeito e vereador. O prazo para realização das convenções termina em 5 de agosto.
Gastos de campanha – Na mesma data, o TSE divulgará o limite de gastos de campanha para os cargos que estarão em disputa.
Direito de resposta – Também começa a valer a possiblidade de candidatos e partidos pedirem direito de resposta contra reportagens, comentários e postagens que considerarem ofensivas na imprensa e nas redes sociais.
Agência Brasil
Geral
Ex-diretores da Americanas alvos da PF entram na lista da Interpol
Dois investigados encontram-se foragidos no exterior
Os dois ex-diretores do grupo Americanas investigados pela Operação Disclosure da Polícia Federal (PF) foram incluídos na lista de Difusão Vermelha da Interpol, a polícia internacional. Segundo a PF, os dois alvos de prisão preventiva encontram-se foragidos no exterior.
Com a inclusão dos nomes, as polícias de outros países sabem que eles são procurados no Brasil e podem prendê-los, se decidirem por isso.
Os ex-diretores, cujos nomes não foram divulgados pela PF, são acusados de participação em fraudes contábeis que chegam a R$ 25,3 bilhões, segundo a Polícia Federal (PF). Além dos mandados de prisão preventiva, os agentes cumprem nesta quinta-feira (27), 15 mandados de busca e apreensão e o sequestro de bens e valores autorizados pela Justiça, que somam mais de R$ 500 milhões.
As investigações, que contaram com a colaboração da atual diretoria do grupo Americanas, também tiveram a participação do Ministério Público Federal (MPF) e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
De acordo com a PF, os alvos da operação praticaram fraudes contábeis relacionadas a operações de risco sacado, que consiste numa operação na qual a varejista consegue antecipar o pagamento a fornecedores por meio de empréstimo junto aos bancos.
“Também foram identificadas fraudes envolvendo contratos de verba de propaganda cooperada (VPC), que consistem em incentivos comerciais que geralmente são utilizados no setor, mas no presente caso eram contabilizadas VPCs que nunca existiram”, informou a PF, por meio de nota, divulgada no início da manhã.
Também por meio de nota, o grupo Americanas informou que reitera sua confiança nas autoridades que investigam o caso “e reforça que foi vítima de uma fraude de resultados pela sua antiga diretoria”. De acordo com a empresa os ex-diretores manipularam, de forma intencional, os controles internos existentes. “A Americanas acredita na Justiça e aguarda a conclusão das investigações para responsabilizar judicialmente todos os envolvidos”.
MPF
Segundo o Ministério Público Federal (MPF), foi formalizado um acordo de colaboração premiada com dirigentes da empresa que manifestaram interesse em colaborar com as investigações. Além disso, houve intensa cooperação com um comitê externo constituído pela empresa para apurar as fraudes.
Ainda de acordo com o órgão, foram ouvidos colaboradores, investigados, realizadas perícias e análises em materiais fornecidos pela empresa e pelos colaboradores.
Em junho de 2023, segundo o MPF, a empresa comunicou oficialmente ao mercado que encontrou inconsistências nas demonstrações financeiras, reforçando a existência da fraude contábil.
*Matéria alterada às 13h18min para acréscimo de informações.
Agência Brasil
Geral
Como desnutrição, toxinas na água e agrotóxicos criaram ‘bolsões de microcefalia’ no Brasil
Pesquisadora dedicou a última década de sua carreira a entender por que algumas regiões brasileiras — como o Nordeste e o Centro-Oeste — tiveram uma maior frequência de casos de microcefalia em bebês cujas mães foram infectadas pelo vírus zika durante a gestação.
A biomédica Patrícia Garcez se encaixa na rara categoria de pessoas que estavam no lugar certo, na hora certa.
Durante sua formação acadêmica, realizada em grande parte na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ela decidiu entender a fundo uma malformação que até então era muito rara e pouco conhecida: a microcefalia, marcada pelo desenvolvimento inadequado do cérebro durante a gestação.
“Lembro de conversar com uma amiga que trabalha com marketing e, ao explicar o que eu pesquisava, ela me perguntou: ‘Por que você estuda isso, se é algo tão raro? Não seria melhor focar em algo que seja mais comum e que afeta mais pessoas?'”, lembra Garcez.
“Mas isso nunca foi uma questão para mim. Na minha mente de formação biológica, o fato de a condição ser rara não significa que eu vou negligenciá-la ou ignorá-la”, complementa a pesquisadora.
Logicamente, essa conversa com a amiga aconteceu antes de 2015. Naquele ano, o zika, um vírus pouco conhecido, desembarcou no Brasil e foi inicialmente caracterizado como um “primo-irmão” da dengue, transmitido pelo mesmo Aedes aegypti e responsável por sintomas mais leves.
Mas a realidade mostrou-se muito mais complexa. Em maternidades espalhadas pelo país, os médicos começaram a notar um aumento anormal de casos de microcefalia — justamente a condição estudada por Garcez.
As suspeitas de que o zika poderia estar por trás do fenômeno logo se confirmaram, graças a uma série de pesquisas publicadas por cientistas brasileiros (incluindo ela própria) ao longo de 2015 e 2016.
“Quando começou o boom de microcefalia, eu não conseguia dormir… Lia tudo o que saía na imprensa e pensava em como poderia contribuir, já que sou especialista no assunto e não há muitos pesquisadores nessa área”, destaca ela.
Foi assim que começaram a surgir ideias, projetos, colaborações e estudos. À época, Garcez estava vinculada à UFRJ, instituição pela qual publicou todos os artigos que serão citados ao longo da reportagem. Mais recentemente, ela assumiu um cargo de professora no King’s College, uma instituição acadêmica sediada em Londres, no Reino Unido.
Uma das inquietações de Garcez na relação entre zika e microcefalia envolvia a desproporção de casos em determinadas regiões.
“Até pouco antes da pandemia de covid-19, o Brasil concentrava cerca de 95% dos casos da síndrome congênita do zika (SCZ)”, calcula ela.
A SCZ é o termo usado pelos especialistas para descrever todas as alterações no feto em desenvolvimento que são provocadas pela infecção por este vírus — que incluem a microcefalia, além de alterações visuais, auditivas, motoras…
A biomédica destaca que uma pesquisa realizada na Flórida, nos Estados Unidos, estimou que 1% das grávidas infectadas pelo zika transmitiram o vírus para o feto, durante a gestação.
“No Brasil, essa taxa variou entre 3%, 13%, até 40%, a depender de como cada estudo foi feito”, compara ela.
E, mesmo dentro do país, há diferenças importantes de acordo com a localidade dos casos.
Um estudo feito pela Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz) Bahia e outras instituições destaca que, entre setembro de 2015 e abril de 2016, o Brasil teve 41.473 casos prováveis de zika entre gestantes.
A maioria dessas infecções aconteceu no Sudeste (44,6% do total), seguido por Nordeste (26,8%), Sul (26,8%), Centro-Oeste (12,7%) e Norte (11%).
No entanto, dos 1.950 casos de microcefalia relacionados à infecção identificados nesse período em todo o Brasil, 70,4% dos quadros de SCZ aconteceram no Nordeste.
“O que explica uma assimetria tão grande? Por que algumas pessoas são mais atingidas que outras?”, pergunta Garcez.
O grupo de pesquisadores do qual ela faz parte começou a encontrar algumas respostas para essas questões — e, embora ainda restem muitas dúvidas pelo caminho, eles já descobriram que a desnutrição, algumas toxinas presentes na água e certos agrotóxicos ajudam a entender o que aconteceu no Brasil durante o surto de zika.
Falta proteína no prato
Uma das primeiras hipóteses que a biomédica resolveu investigar envolvia a nutrição materna. Será que a qualidade da dieta da gestante poderia ter alguma influência no desenvolvimento de uma microcefalia no bebê?
“Fizemos parcerias com epidemiologistas, que foram às regiões com mais casos de microcefalia e identificaram quadros de desnutrição severa, acima da média, entre muitas dessas mulheres”, explica Garcez.
Com base nesse dado, o grupo resolveu avaliar se a falta de proteínas na alimentação da gestante poderia de alguma maneira contribuir para que o zika conseguisse invadir a placenta e causar estragos no cérebro em desenvolvimento do feto.
Os cientistas focaram no grupo das proteínas, que inclui carnes, ovos, lácteos, entre outros, porque esses alimentos são geralmente os mais caros da cesta básica — e, por essa razão, são menos consumidos por famílias que enfrentam dificuldades econômicas.
As autoridades de saúde estabelecem que uma gestante deve comer entre 60 e 100 gramas de proteína por dia.
“E essa é uma meta que pode ser atingida facilmente se a pessoa tem uma dieta normal, sem restrições financeiras”, observa Garcez.
Para testar essa hipótese, os especialistas restringiram a dieta de camundongos gestantes no laboratório, que passaram a ter acesso a menos proteínas do que o indicado e também foram infectados com o zika.
Os resultados mostram que essa combinação (restrição de proteínas + infecção por zika) levou a alterações severas na estrutura da placenta e no crescimento do embrião. Os ratinhos que nasceram apresentavam uma menor formação de neurônios e um cérebro de tamanho reduzido — ou seja, um quadro similar à SCZ.
O mesmo não aconteceu com os camundongos gestantes que só comeram menos proteínas ou aqueles que foram apenas infectados com o zika. Isso sugere que a junção dos dois fatores ajuda a entender parte desse cenário.
“Suspeitamos que a desnutrição materna pode causar uma supressão do sistema imune, de modo que o vírus consegue atravessar a placenta e causar danos”, sugere a biomédica.
Quando o zika ultrapassa a barreira placentária — especialmente nos primeiros meses de gestação, quando a formação do cérebro está nas etapas iniciais — o estrago é quase certo.
“O zika tem uma capacidade notável de infectar as células-tronco neurais, que são as ‘mães’ de todos os neurônios e formam o Sistema Nervoso Central”, ensina a biomédica.
Seca e cianobactérias
Durante as pesquisas, Garcez conversou com o biólogo Renato Molica, especialista em cianobactérias, um tipo de micro-organismo que vive na água e obtém energia por meio da fotossíntese.
“Ele me contou que havia uma espécie de cianobactéria presente em reservatórios de água, especialmente em regiões de muita seca, que produz uma substância neurotóxica, com capacidade de afetar o cérebro”, lembra ela.
A cianobactéria em questão é a Raphidiopsis raciborskii, que fabrica uma substância chamada saxitoxina.
Vale lembrar que, a partir de 2012, poucos anos antes da chegada do zika ao Brasil, a região Nordeste enfrentou uma das piores secas de sua história. Os mais afetados precisaram recorrer às águas de reservatórios, que muitas vezes acumulam esses micro-organismos.
Será que uma coisa tinha a ver com a outra? O consumo da saxitoxina poderia de alguma maneira “turbinar” os efeitos do zika no cérebro do bebê em formação?
Os experimentos do grupo de Garcez mostraram que sim: o contato com a substância neurotóxica dobrou a quantidade de células neurais mortas pelo zika em testes com organoides, ou “minicérebros” cultivados em laboratório.
“Também colocamos essa cianobactéria na água consumida por camundongos gestantes, cujos fetos ficaram mais suscetíveis à SCZ”, descreve Garcez.
“Essa toxina já causa um certo desarranjo nas células-tronco neurais. Mas, junto com o zika, esse efeito fica muito pior”, complementa ela.
Essa observação acrescentou mais uma evidência que ajuda a entender a discrepância nos números de microcefalia por região. Mas havia outras dúvidas e descobertas pela frente.
Ação dos agrotóxicos
Garcez lembra que o Centro-Oeste também apresentou números mais elevados de microcefalia durante o surto de 2015 e 2016.
Um boletim epidemiológico publicado pelo Ministério da Saúde em setembro de 2022 aponta que essa foi a segunda região mais afetada pela SCZ.
“E lá a condição socioeconômica é mais elevada que a do Nordeste e não houve aquela questão da seca”, observa a cientista.
“Mas sabemos que essa é uma região que usa grandes quantidades de agrotóxicos e herbicidas, por ter muitas terras dedicadas à agricultura”, complementa ela.
Para avaliar se essas substâncias usadas nas plantações poderiam ter alguma influência nesses casos, o grupo de Garcez fez um mapa dos agrotóxicos mais aplicados no país.
“Depois dessa triagem inicial, encontramos o 2,4-D, um herbicida muito usado no Centro-Oeste”, destaca a biomédica.
Ao fazer os testes em laboratório, os pesquisadores viram aquele mesmo efeito sinérgico observado com a desnutrição e as toxinas das cianobactérias: os camundongos gestantes que foram infectados com zika e tomaram água com 2,4-D tinham maior risco de gerar descendentes com problemas no desenvolvimento cerebral.
“E as quantidades de 2,4-D que foram usadas no estudo estavam dentro do considerado aceitável”, destaca Garcez.
Vale destacar que esse último estudo ainda não foi publicado em revistas acadêmicas, algo que deve acontecer nos próximos meses. Essa etapa é fundamental para que o experimento seja revisado por especialistas independentes.
Quem é o verdadeiro culpado
Garcez lembra que, apesar da importância de conhecer todos os cofatores que ampliam a susceptibilidade à microcefalia, é preciso estabelecer as prioridades e os focos.
“O zika é o grande vilão dessa história”, lembra ela.
A pesquisadora também conta que algumas suspeitas não se comprovaram nas pesquisas.
“Nós testamos o herbicida glifosato, por exemplo, mas não observamos qualquer sinergia com o zika”, cita ela.
A biomédica acrescenta que algumas pesquisas feitas por outros grupos sugerem que infecções prévias por dengue podem alterar o risco de transmissão vertical do zika (da gestante para o feto em formação), embora esse tema ainda seja controverso.
“Outro ponto explorado é a questão do aborto. Sabemos que mulheres de algumas regiões do país têm maior acesso ao procedimento, mesmo que ele não esteja legalizado no Brasil nesses casos”, acrescenta Garcez.
Ou seja: pode ser que algumas gestantes que tiveram zika e receberam o diagnóstico de SCZ no bebê em desenvolvimento tenham optado por não seguir com a gravidez adiante.
“E isso pode confundir e mascarar um pouco esse mapa da SCZ”, diz ela.
Por fim, a biomédica destaca que ainda há muito a se descobrir sobre o zika e os “bolsões de microcefalia”.
“Nós precisamos entender melhor por que algumas mulheres têm mais propensão a transmitir o zika para o feto. Será que há alguma característica do vírus ou da genética das pacientes que aumente o risco de SCZ?”, questiona a especialista.
“Também precisamos conhecer quais são as consequências da síndrome congênita a longo prazo. Como esses pacientes que tiveram o cérebro afetado pelo zika vão se desenvolver? Como elas estarão na fase adulta? Eles conseguirão ser independentes ou estudar?”, complementa ela.
Encontrar essas respostas é importante não apenas para passar a limpo o surto de zika que ocorreu há quase uma década — mas também para lidar com as futuras crises relacionadas a esse vírus.
“O surto pode acontecer de novo, pois o zika continua a circular e o mosquito Aedes aegypti está sempre por aí. Além disso, as novas gerações não estarão imunes a essa infecção”, conclui ela.
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