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Especialistas afirmam que falta de políticas de prevenção favoreceu tragédia no RS

Para eles, havia sinais de que ocorreria uma grande inundação, como a que já deixou 169 mortos e 581 mil desalojados

 

Ricardo Stuckert / PR

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Capão da Canoa (RS) — A carência de políticas de prevenção focadas nas bacias hidrográficas do Rio Grande do Sul está entre os fatores que levaram à maior tragédia ambiental já registrada no estado, avaliam especialistas consultados pelo Correio. A cheia de rios, lagos e arroios do Rio Grande do Sul tem sido acompanhada por todo o país com atenção desde o início das fortes chuvas no estado, no fim de abril. As inundações ocasionadas por extravasamento dos afluentes e alto volume de precipitação já deixaram 169 mortos, 581 mil desalojados e 55 mil em abrigos.

“É um conjunto de fatores. Primeiro, é a questão da urbanização, pela falta de cuidado com a construção de casas em lugares que não poderia, como aterros, e sem infraestrutura adequada. Outra é o meio ambiente, com o não respeito à floresta, degradação da área verde e as mudanças climáticas”, comenta Guillaume Pierre, doutor em Geografia Social e Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Maine (EUA) e professor do curso de Desenvolvimento Regional do Câmpus Litoral Norte da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

O especialista explica que, onde há floresta, a água é absorvida e não acumula tanto na superfície. Porém, com a impermeabilização do solo pelo concreto e pelo asfalto, a água não desce. O sistema de drenagem e bombas utilizado no Guaíba, segundo ele, também não recebeu a devida manutenção para evitar o colapso. “Poderia ter tido um acompanhamento melhor, uma infraestrutura melhor, prevenção, planejamento. Já existem estudos feitos. Só que isso não foi adotado pelo gestor. A política é uma escolha de fazer algumas coisas. Foi escolhido incentivar alguns setores e outros não, talvez seja hora de repensar”, comenta.

“A gente teve no ano passado dois eventos parecidos, em setembro e novembro. Tivemos avisos de precipitação elevada para aqueles dias (do início de maio). Os sinais estão sendo apontados há bastante tempo. Para mim, não teve manutenção do sistema de drenagem e contenção (do Guaíba) não só neste governo, mas há pelo menos 16 anos. Recursos tínhamos, inclusive, federais alocados, mas foram perdidos”, afirma Dekir Larara da Silva, geógrafo, climatólogo e também professor do Câmpus Litoral Norte da UFRGS.

De acordo com ele, dias antes das fortes chuvas, já havia alerta sobre a possibilidade de alto volume de precipitação. “O que ficou claro é que o RS recebeu uma precipitação muito grande e o impacto está associado ao processo de ocupação territorial próximo à água. Na realidade, grande parte dos municípios não possui um sistema de enfrentamento à emergência climática. Não tem sistema de alerta e um conjunto de protocolos necessários para evacuação, para que a população seja avisada e se proteja. Essa tragédia é um acúmulo de deficiências que a gente vem observando e alertando”, ressalta Silva.

Bem como Pierre, o climatólogo considera que houve um afrouxamento dos governantes no cuidado ambiental. “O governo estadual autorizou a construção de barragens em áreas de proteção ambiental algum tempo atrás. Isso é extremamente temerário porque é a preservação da vegetação que vai reter a água nas áreas mais elevadas”, diz Silva.

Hidrografia

“Todo ambiente em torno dos rios é importante de ser cuidado. O Rio Grande do Sul é um estado muito rico em rios e bacias hidrográficas. Existem os Comitês de Bacia, que cuidam delas, mas nem sempre funcionam. Um incentivo para respeitar a lei do Sistema Estadual de Recursos Hídricos seria fundamental”, comenta Guillaume Pierre.

“É uma instância com caráter deliberativo sobre quantidade e qualidade da água, critérios de licenciamento, outorga e também para prever como lidar com enchentes e a estiagem. Esses grupos se reúnem e têm como principal função diminuir conflitos, harmonizar os diferentes usos da bacia de navegação, indústria, critérios que definem prioridade de uso etc.”, explica Rafael Altenhofen, presidente do Comitê da Bacia do Caí.

De acordo com ele, no entanto, a legislação estadual nunca foi completamente implementada. “Infelizmente, os municípios e o próprio estado acabam ignorando o plano de bacias hidrográficas. Os comitês não têm poder executivo de determinar o cumprimento das regras, somente fazemos. Cabe ao Ministério Público fiscalizar, mas não está fazendo isso com eficácia”, desabafa Altenhofen.

Junto a outros dois comitês, o presidente emitiu uma manifestação pública sobre a falta de atenção dada aos grupos e explica como isso contribuiu para a tragédia ambiental atual. “A não implementação das agências de bacia e da cobrança pelo uso dos recursos hídricos, componentes fundamentais desse sistema, resultou em uma gestão fragmentada, desarticulada e ineficaz, incapaz de planejar e executar as ações necessárias para reduzir vulnerabilidades e, assim, mitigar os efeitos de eventos como o que enfrentamos”, explica.

Por fim, para Altenhofen, é essencial incluir os comitês de bacias nas discussões e evitar ouvir opiniões de profissionais que não são especialistas e não conhecem a hidrografia da região. “O enfrentamento da crise hídrica por parte do RS se limita a projetos de prospecção de novos poços, mas possuem taxa de renovação muito lenta. Outra sugestão que tem sido feita é o desassoreamento, que pode fazer vir à tona metais pesados que estão na lama, fruto de despejo industrial que existia antes do surgimento das leis ambientais. Isso pode gerar a contaminação da água e diminuiria apenas 2cm de inundação, além de ter um custo muito elevado”, conclui.

Soluções

Os especialistas sugerem, então, algumas soluções para a situação crítica que o Rio Grande do Sul enfrenta. “É muito provável que eventos extremos como esse continuem ocorrendo. Por meio da informação, prevenção e planejamento é possível mitigar os impactos”, diz Pierre, que cita como exemplo tecnológico de contenção de cheias a Holanda, que vive há cerca de 300 anos abaixo do nível do mar e possui um excelente sistema de drenagem. “Tecnologia existe, é preciso implementá-la”, acrescenta.

Para Silva, é necessário entender a quais mudanças extremas a região está suscetível. “Especificamente no RS, estamos numa região de fronteira climática entre o ar tropical e o ar de origem polar, que vem da Antártida. O RS vai ter tanto chuvas volumosas em pouquíssimo intervalo de tempo, quanto períodos prolongados com ausência de chuva”, afirma. A maneira de amenizar os efeitos das mudanças climáticas, segundo ele, é o planejamento. “Protocolos geram um nível de planejamento diferenciado. Para poder minimizar os períodos de seca, por exemplo, é necessário preservar a mata nativa e estocar água em poços. Já para enchentes, é preciso de obras de contenção de cheias e a manutenção dos sistemas que já existem. A base do protocolo é a mesma, o que muda são as ações mitigatórias para cada fenômeno”, explica.

Correio Braziliense

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Taxa de desmatamento no Cerrado cai pela primeira vez em 4 anos

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Dados são do sistema Deter, do Inpe, e foram anunciados pela ministra Marina Silva

Joédson Alves/Agência Brasil

Os alertas de desmatamento no Cerrado caíram pela primeira vez desde 2020 no primeiro semestre deste ano. As informações são do sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), e foram divulgadas nesta quarta-feira pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.

A área total desmatada de janeiro a junho de 2024 foi de 3.724 quilômetros quadrados. Esse índice vinha numa tendência de alta desde 2020, atingindo o ápice no primeiro semestre de 2023 – 4.395 – já durante a gestão do governo Lula. De 2023 a 2024, a a redução computada foi de 15%.

A ministra Marina Silva afirmou que os dados são um resultado do plano de combate ao desmatamento lançado em novembro do ano passado e da articulação do governo feita junto aos governadores da região. Em março, ela participou junto com outros ministros de uma reunião com os chefes dos Estados para tratar sobre estratégias de prevenir a devastação no Palácio do Planalto.

O corte da flora no Cerrado ocorre sobretudo nos Estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia – área conhecida como Matopiba – e em mais de 40% dos casos tinha autorização dos governos estaduais.

“Esse é o primeiro número de redução consistente no cerrado, enquanto se consolida a tendência de queda no desmatamento da Amazônia”, disse o secretário-executivo da pasta, João Paulo Capobianco.

Considerados os maiores biomas do país, o Cerrado e a Amazônia somam mais de 85% da área desmatada no último ano, segundo estudo do MapBiomas. Em 2023, Cerrado superou pela primeira vez a Amazônia no tamanho de área desmatada – 1,11 milhão de hectares de vegetação nativa perdidos, o que equivalia a 68% de alta em comparação com 2022.

Os alertas de desmatamento na Amazônia tiveram uma queda de 38% no primeiro semestre em comparação com 2023. Foram 1.639 quilômetros quadrados de área derrubada – o menor índice em sete anos.

Agência o Globo

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Deputados apresentam texto de regulamentação da reforma tributária nesta quinta

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Carnes na cesta básica, armas e carros elétricos no imposto seletivo ainda são dúvida

 

Plenário da Câmara dos Deputados durante a promulgação da reforma tributária ( Roque de Sá/Agência Senado)

 

Os deputados do grupo de trabalho da Reforma Tributária apresentam nesta quinta-feira, a partir das 10h, o parecer do primeiro projeto de lei que regulamentará a reforma tributária. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirmou nesta quarta-feira que a votação do texto em plenário deve ocorrer na próxima semana.

Entre os pontos polêmicos com expectativa de acréscimo ao relatório estão: a inclusão das carnes na cesta básica, além da inclusão no imposto seletivo de itens como armas, carros elétricos e jogos de azar.

Lira indicou dificuldades para a inclusão da carne in natura na cesta básica de alimentos, com alíquota zero, como defendido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e defendido pelos deputados do GT. O presidente da Casa argumentou que a inclusão pode gerar impacto na alíquota padrão de referência. O Ministério da Fazenda previa que a taxa poderia subir de 26,5% para 27% com a adição.

“Nunca houve proteína na cesta básica. Mas, temos que ver quanto essa inclusão vai impactar na alíquota que todo mundo vai pagar”, afirmou Lira.

Para os parlamentares, porém, o aumento de itens no imposto seletivo poderá compensar a perda de carga tributária e garantir uma alíquota mais baixa. Os deputados chegam a prever um imposto de até 25%, a partir de 2033, quando todos os cinco impostos sobre consumo serão extintos.

Entenda o contexto

O primeiro texto da regulamentação da Reforma Tributária detalha a implementação do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), que juntos formaram o IVA (Imposto sobre Valor Agregado). O tributo vai substituir cinco impostos que recaem sobre consumo hoje: PIS, Cofins, IPI, ICMS, ISS.

O atual texto de regulamentação da reforma tributária prevê que diferentes itens tenham a mesma alíquota padrão de imposto, como armas, munições, fraldas infantis, perfumes e roupas. Nenhum dos ítens estão na alíquota reduzida ou em regimes especiais. A proposta de regulamentação, porém, ainda será modificada por deputados do grupo de trabalho da Reforma Tributária.

O segundo texto, que deve ser apresentado nesta quinta-feira ao presidente Lira, trará os detalhes do funcionamento do Comitê Gestor, órgão que irá recolher e redistribuir o IBS a estados e municípios.

O IVA vai incidir no momento de cada compra, a chamada cobrança no destino. Hoje, os impostos recaem sobre os produtos na origem, ou seja, desde a fabricação até a venda final. Essa modalidade leva a um acúmulo das taxas ao longo da cadeia produtiva, deixando o produto mais caro.

O valor padrão do IVA ainda será definido e deve ser descoberto apenas um ano antes de cada etapa de transição. A transição entre sistemas começa em 2026, com a cobrança de apenas 1% de IVA. O valor vai aumentando ao longo dos anos seguintes, até chegar em 2033, quando todos os impostos sobre consumo serão extintos, e sobrará apenas o IVA. O valor cheio será definido em resolução do Senado Federal, que também determinará qual parcela cada ao CBS e qual será de IBS.

Agência o Globo

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Haddad anuncia cortes de R$ 25,9 bilhões em despesas obrigatórias

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Ministro diz que determinação de Lula é cumprir arcabouço fiscal

 

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante entrevista após reunião na residência oficial da presidência do Senado em Brasília, em 25/05/2023 (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

 

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou na noite desta quarta-feira (3), após se reunir com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no Palácio do Planalto, que o governo prepara um corte de R$ 25,9 bilhões em despesas obrigatórias que abrangem diversos ministérios, para o projeto de lei orçamentária de 2025, que será apresentado em agosto ao Congresso Nacional. O corte ainda poderá ser parcialmente antecipado em contingenciamentos e bloqueios no orçamento deste ano.

“Nós já identificamos e o presidente autorizou levar à frente, [o valor de] R$ 25,9 bilhões de despesas obrigatórias, que vão ser cortadas depois que os ministérios afetados sejam comunicados do limite que vai ser dado para a elaboração do Orçamento 2025. Isso foi feito com as equipes dos ministérios, isso não é um número arbitrário. É um número que foi levantado, linha a linha do orçamento, daquilo que não se coaduna com os programas sociais que foram criados, para o ano que vem”, disse o ministro em declaração a jornalistas após a reunião.

O levantamento dos programas e benefícios que serão cortados foi realizado desde março entre as equipes dos ministérios da área fim e as pastas do Planejamento e da Fazenda. Além disso, bloqueios e contingenciamentos do orçamento atual serão anunciados ainda este mês, “que serão suficientes para o cumprimento do arcabouço fiscal”, reforçou o ministro.

Essas informações serão detalhadas na apresentação do próximo Relatório de Despesas e Receitas, no dia 22 de julho. “Isso [bloqueio] está definido, vamos ter a ordem de grandeza nos próximos dias, assim que a Receita Federal terminar seu trabalho”.

Haddad reforçou que o governo está empenhado, “a todo custo”, em cumprir os limites da lei que criou o arcabouço fiscal.

“A primeira coisa que o presidente determinou é que cumpra-se o arcabouço fiscal. Essa lei complementar foi aprovada no ano passado, a iniciativa foi do governo, com a participação de todos os ministros. Portanto, não se discute isso. Inclusive, ela se integra à Lei de Responsabilidade Fiscal. São leis que regulam as finanças públicas do Brasil e elas serão cumpridas”, destacou o ministro da Fazenda.

A declarações de Fernando Haddad ocorrem um dia depois de o dólar disparar frente ao real, na maior alta em cerca de um ano e meio, no contexto de alta das taxas de juros nos Estados Unidos e também das críticas recentes do presidente brasileiro ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Ao longo desta quarta, com novas manifestações de Haddad e do próprio presidente Lula, houve uma redução do nervosismo no mercado financeiro e o dólar baixou para R$ 5,56, revertendo uma cotação que chegou a encostar em R$ 5,70 no pregão anterior.

Agência Brasil

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