Geral
Cúpula do BRB na gestão Rollemberg é alvo de operação da PF e do MPF
Investigações apontam suposto esquema de pagamento de propina em troca de investimentos do banco no extinto Trump Hotel
A Polícia Federal deflagrou nesta terça (29/1) operação que investiga suposto esquema de pagamento de propinas de R$ 16,5 milhões a diretores e ex-diretores do Banco de Brasília (BRB), em troca de investimentos em projetos como o do extinto Trump Hotel, no Rio de Janeiro, atualmente conhecido como LSH Lifestyle.
Entre os investigados, estão o presidente licenciado do BRB, Vasco Cunha Gonçalves, recém-nomeado para presidir o Banco do Estado do Espírito Santo (Banestes), e os diretores Financeiro e de Relações com Investidores, Nilban de Melo Júnior, e de Serviços e Produtos, Marco Aurélio Monteiro de Castro.
Os três são alvos de mandados de prisão, expedidos pela 10ª Vara da Justiça Federal em Brasília. Agentes da PF estão na sede do BRB fazendo busca e apreensão.
Também no rol dos investigados, estão Diogo Cuoco e Adriana Cuoco, filho e nora do ator de telenovelas Francisco Cuoco, respectivamente. E Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho, neto do general João Baptista Figueiredo.
A operação se baseia nas delações premiadas de executivos da Odebrecht, do corretor Lúcio Bolonha Funaro e do empresário Ricardo Siqueira Rodrigues.
Em nota, o MPF-DF explicou que a operação, batizada de Circus Maximus, “visa desarticular uma organização criminosa instalada no BRB que, desde 2014, vem praticando, junto com empresários e agentes financeiros autônomos, crimes contra o sistema financeiro, corrupção, lavagem de dinheiro, gestão temerária, entre outros”.
Destaca, ainda, que foram apreendidos documentos, aparelhos eletrônicos e telefones celulares em endereços comerciais e residenciais no DF, ES, RJ e SP.
Entenda o caso
A LSH Barra Empreendimentos Imobiliários S.A, responsável pelo LSH Lifestyle Hotels, ex-Trump Hotel Rio, criou, em 2012, o Fundo de Investimento em Participações (FIP) LSH a fim de viabilizar o projeto.
A LSH foi ao mercado e lançou debêntures (títulos de dívida) junto a instituições financeiras para captar recursos destinados à construção do hotel na Barra da Tijuca, bairro nobre da capital fluminense.
A operação totalizou R$ 80 milhões em valores corrigidos, conforme noticiou a Coluna Radar, da Revista Veja, em julho do ano passado. Desse total, 42% são do BRB (R$ 33,6 milhões). A instituição financeira adquiriu, administrou e custodiou o fundo por quase quatro anos, entre 2013 e 2017.
Segundo balanço publicado em março de 2018, o banco teve outra participação no negócio. A BRB-DTVM Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários S.A., coligada do BRB, fez um aporte de R$ 18,5 milhões no fundo criado pela empresa LSH. Esse valor, contudo, foi a título de investimento e não é cobrado na ação judicial movida pelo Banco de Brasília.
Os problemas começaram a aparecer com o desenrolar, nos últimos anos, de investigações da Polícia Federal que apontavam irregularidades na gestão da empresa carioca. A situação complicou-se a ponto de o hotel que ostentava a marca de Donald Trump precisar mudar de nome.
Ex-Trump
Devido a entraves contratuais e com a Polícia Federal no encalço de pessoas ligadas à LSH, o grupo norte-americano desfez a parceria. Em 2016, o Trump Hotel Rio passou a se chamar LSH Lifestyle Hotels.
A presença de nomes denunciados em ações da Lava Jato nos negócios da companhia emitiu, à época, sinal de alerta. São eles: o empresário Arthur César de Menezes Soares Filho, conhecido como “Rei Arthur”, acusado de operar o esquema de compra de votos para que o Brasil sediasse os Jogos Olímpicos de 2016; o dono do grupo educacional Alub, Arthur Mario Pinheiro Machado; e Ricardo Siqueira Rodrigues, apontado pela Polícia Federal como o maior operador de fundos de pensão no país.
Derrota na Justiça
Se, por um lado, o BRB estendeu a mão para a LSH Barra, por outro, a empresa frustrou as expectativas do parceiro brasiliense na hora de pagar a fatura. Em dificuldade financeira, o empreendimento instalado no Rio de Janeiro não honrou parcelas de títulos emitidos mediante debêntures.
O caso foi parar no Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT) por meio de ação anulatória. Sócio e administrador do fundo, o BRB pediu que fosse invalidada a assembleia na qual teve o direito de voto negado. Mas o juiz Luciano dos Santos Mendes, da 18ª Vara Cível, negou a solicitação, prevalecendo a vontade da ré, a LSH. Leia a sentença completa aqui.
Na ação, o banco pedia a anulação da assembleia ou que seus votos fossem considerados. A instituição brasiliense queria obter o vencimento antecipado de debêntures não pagas pela LSH, para depois executar a dívida. Essa operação, no entanto, só poderia ser feita em consulta e com a aprovação de pelo menos 51% da totalidade de debenturistas, o que não ocorreu.
A LSH, por sua vez, sustentou, tanto na conferência quanto na ação judicial, que o grupo BRB teria passado a agir, ao mesmo tempo, como administrador, acionista indireto e coordenador líder dos títulos de dívida, caracterizando conflito de interesses. Assim, conseguiu – via assembleia – o impedimento de voto do BRB.
O argumento foi aceito pelo juiz, sendo mantidos acordos e decisões deliberados pelo conselho do fundo, inclusive a ordem de destituir os brasilienses de sua administração. À época, após votação entre os sócios, ficou decidido que o fundo da LSH seria dirigido pela Orla Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários S.A.
Segundo o Ministério Público Federal (MPF) apontou, após áudios obtidos no âmbito da Operação Rizoma, a Orla foi indicada a Arthur Machado por Ricardo Rodrigues, ambos investigados na Lava Jato.
Troca de acusações
Entre junho de 2013 e maio de 2017, a BRB Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários S.A. (BRB DTVM) administrou o FIP LSH. Em 2017, viu-se obrigada a publicar fato relevante – a prática consiste na divulgação de acontecimentos que podem afetar o preço das ações ou influenciar a decisão dos acionistas de comprar, manter ou vender ativos.
Por meio de fato relevante, a BRB DTVM renunciou à prestação de serviços ao questionar a “ausência de melhores práticas de governança e gestão, transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa do fundo”.
Antes de comunicar o desejo de renúncia, a relação do BRB com a LSH já havia sofrido um abalo. No mesmo balanço financeiro em que trouxe o valor investido no fundo da LSH, o Banco de Brasília discorreu sobre problemas da parceira. Apontou que a empresa registrava patrimônio líquido de R$ 432 milhões, com base em laudo de avaliação de 2015, e um segundo documento indicava o valor de R$ 391,6 milhões – verificando-se, assim, uma desvalorização do empreendimento.
Citou ainda que o fundo era investigado na Operação Greenfield, enquanto a LSH era alvo dessa mesma investida e também da Unfair Play.
A mensagem causou revolta na companhia carioca, e o troco veio em seguida, com novo fato relevante, então redigido pela Orla Distribuidora. O FIP LSH afirmou no documento que a saída da BRB DTVM não ocorreu pelos motivos citados em seu texto, e sim por “conflito de interesses” verificados na atuação de gestores do banco brasiliense. Para a empresa, a renúncia teve como objetivo barrar a destituição do posto, uma vez que haveria interesse de cotistas deliberarem a deposição.
Ainda segundo o fundo, a administradora praticou atos de gestão irregulares e contrários aos interesses dos acionistas. Eles também prometeram entrar na Justiça contra os ex-diretores Luis Guilherme Raposo Machado da Costa e Andréa Moreira Lopes, atual diretora de Recursos de Terceiros da BRB DTVM.
No mesmo fato relevante, o FIP LSH destacou: “Se as razões elencadas para a saída do BRB fossem verídicas, a instituição financeira estaria solidariamente responsável pelas mesmas”, inclusive por tê-lo administrado por quase quatro anos e ser encarregada de tomar todas as providências cabíveis.
Os ataques à instituição financeira da capital prosseguiram. Ao final do documento, a companhia carioca disse ter revertido um pedido de falência que teria sido causado, “única e exclusivamente, pela completa inércia da então diretoria do BRB”.
Condução no banco
Embora não tenham sido alvo do fato relevante publicado pelo FIP LSH, outros nomes trabalharam na BRB Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários no período em que a coligada administrou o fundo. Envolvido em investigações do MPF acerca de negociações da Odebrecht com o prédio comercial Praça Capital, Henrique Leite Domingues foi diretor de Administração de Recursos de Terceiros da BRB DTVM.
Em pelo menos duas oportunidades no ano de 2015 (março e setembro) e uma em agosto de 2016, ele visitou obras do fundo da LSH no Rio de Janeiro.
Andréa Moreira Lopes, atualmente diretora de Administração de Recursos de Terceiros da coligada, também viajou ao Rio de Janeiro em várias oportunidades, inclusive quando a relação com o fundo já estava abalada.
Nos bastidores, o nome de um ex-conselheiro do BRB aparece ligado às tratativas e operações financeiras entre a instituição e a LSH Barra Empreendimentos. Ricardo Leal, que foi arrecadador da campanha de Rodrigo Rollemberg (PSB) na corrida ao Palácio do Buriti em 2014, teria costurado os acordos com Arthur Soares e Ricardo Rodrigues para que o banco passasse a investir na LSH Barra e no fundo.
Leal é citado em delações do ex-vice-presidente da Caixa Fábio Cleto e também do operador financeiro Lúcio Funaro. Ele deixou o cargo no banco público em fevereiro de 2017, logo após surgirem rumores segundo os quais Funaro estaria disposto a contar tudo o que sabe sobre o personagem.
Apuros
Atores importantes nos negócios da LSH Barra e do FIP LSH, Arthur Machado e Ricardo Siqueira Rodrigues foram denunciados pelo MPF na Operação Rizoma, presos e depois colocados em liberdade. Machado também é alvo da Operação Pausare.
Arthur Machado é apontado como chefe de uma organização criminosa com objetivo de lesar fundos de pensão. Outro enfoque do esquema seria obter proveitos financeiros de investimentos realizados nas empresas pertencentes ao seu grupo econômico ou com a devida participação.
Ricardo Siqueira Rodrigues, por sua vez, usava sua influência junto aos fundos de pensão para garantir a injeção de investimentos nas empresas por ele indicadas. Ainda segundo o MPF, Ricardo movimentou R$ 283 milhões em operações suspeitas entre 2009 e 2017, inclusive em contas da BRB DTVM, sem a devida autorização.
O outro lado
O BRB afirmou, em nota, apoiar e cooperar “integralmente todos os órgãos competentes que conduzem a operação”. Informou, também, que a ação corre em segredo de Justiça e todas as informações serão repassadas exclusivamente às autoridades policiais. “O BRB adotará todas as medidas judiciais cabíveis visando preservar o banco e suas empresas controladas”, completou.
Segundo o LSH Hotel, os fatos investigados referem-se a um período anterior à atual administração da companhia. Pontuou, ainda, que a empresa colabora com a PF e o MPF. “O LSH Hotel se mantem operando normalmente e sem impacto para os hóspedes”, concluiu.
O Banco do Estado do Espírito Santo (Banestes) substituiu o seu recém-nomeado presidente, Vasco Cunha Gonçalves. O conselho administrativo do Banestes escolheu nesta terça-feira (29/1) o atual diretor de Tecnologia, Silvio Grillo, como interino, segundo a assessoria do governador do ES, Renato Casagrande (PSB).
Em nota, o Governo do ES disse que a operação da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público Federal (MPF) estava em segredo de Justiça e, por isso, foi “surpreendido pelos fatos”. Pontuou, ainda, que o nome de Vasco foi aprovado pelo Banco Central, “que promove rigorosa análise dos currículos de indicados para bancos públicos”.Fonte: Metrópoles
Geral
Principais restrições do calendário eleitoral começam em julho
Primeiro turno das eleições municipais será no dia 6 de outubro
A partir deste mês, começam a valer as principais restrições previstas no calendário eleitoral para impedir o uso da máquina pública a favor de candidatos às eleições municipais de outubro. As vedações estão previstas na Lei das Eleições (Lei 9.504/1997).
No dia 6 de julho, três meses antes do pleito, começam as restrições para contratação e demissão de servidores públicos. A partir do dia 20, os partidos podem realizar suas convenções internas para a escolha dos candidatos aos cargos de prefeito, vice-prefeito e vereadores.
O primeiro turno das eleições será no dia 6 de outubro. O segundo turno da disputa poderá ser realizado em 27 de outubro nos municípios com mais de 200 mil eleitores, nos quais nenhum dos candidatos à prefeitura atingiu mais da metade dos votos válidos, excluídos os brancos e nulos, no primeiro turno.
Confira as principais restrições
6 de julho
Nomeação de servidores – a partir do próximo sábado (6), três meses antes do pleito, os agentes públicos não podem nomear, contratar e demitir por justa causa servidores públicos. A lei abre exceção para nomeação e exoneração de pessoas que exercem função comissionada e a contratação de natureza emergencial para garantir o funcionamento de serviços públicos essenciais.
Concursos – A nomeação de servidores só pode ocorrer se o resultado do concurso foi homologado até 6 de julho.
Verbas – Os agentes públicos também estão proibidos de fazer transferência voluntária de recursos do governo federal aos estados e municípios. O dinheiro só pode ser enviado para obras que já estão em andamento ou para atender situações de calamidade pública.
Publicidade estatal – A autorização para realização de publicidade institucional de programas de governo também está proibida. Pronunciamentos oficiais em cadeia de rádio e televisão e a divulgação de nomes de candidatos em sites oficiais também estão vedados e só podem ocorrer com autorização da Justiça Eleitoral.
Inauguração de obras – Também fica proibida a participação de candidatos em inaugurações de obras públicas.
20 de julho
Convenções – A partir do dia 20 de julho, os partidos políticos e as federações poderão escolher seus candidatos para os cargos de prefeito, vice-prefeito e vereador. O prazo para realização das convenções termina em 5 de agosto.
Gastos de campanha – Na mesma data, o TSE divulgará o limite de gastos de campanha para os cargos que estarão em disputa.
Direito de resposta – Também começa a valer a possiblidade de candidatos e partidos pedirem direito de resposta contra reportagens, comentários e postagens que considerarem ofensivas na imprensa e nas redes sociais.
Agência Brasil
Geral
Ex-diretores da Americanas alvos da PF entram na lista da Interpol
Dois investigados encontram-se foragidos no exterior
Os dois ex-diretores do grupo Americanas investigados pela Operação Disclosure da Polícia Federal (PF) foram incluídos na lista de Difusão Vermelha da Interpol, a polícia internacional. Segundo a PF, os dois alvos de prisão preventiva encontram-se foragidos no exterior.
Com a inclusão dos nomes, as polícias de outros países sabem que eles são procurados no Brasil e podem prendê-los, se decidirem por isso.
Os ex-diretores, cujos nomes não foram divulgados pela PF, são acusados de participação em fraudes contábeis que chegam a R$ 25,3 bilhões, segundo a Polícia Federal (PF). Além dos mandados de prisão preventiva, os agentes cumprem nesta quinta-feira (27), 15 mandados de busca e apreensão e o sequestro de bens e valores autorizados pela Justiça, que somam mais de R$ 500 milhões.
As investigações, que contaram com a colaboração da atual diretoria do grupo Americanas, também tiveram a participação do Ministério Público Federal (MPF) e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
De acordo com a PF, os alvos da operação praticaram fraudes contábeis relacionadas a operações de risco sacado, que consiste numa operação na qual a varejista consegue antecipar o pagamento a fornecedores por meio de empréstimo junto aos bancos.
“Também foram identificadas fraudes envolvendo contratos de verba de propaganda cooperada (VPC), que consistem em incentivos comerciais que geralmente são utilizados no setor, mas no presente caso eram contabilizadas VPCs que nunca existiram”, informou a PF, por meio de nota, divulgada no início da manhã.
Também por meio de nota, o grupo Americanas informou que reitera sua confiança nas autoridades que investigam o caso “e reforça que foi vítima de uma fraude de resultados pela sua antiga diretoria”. De acordo com a empresa os ex-diretores manipularam, de forma intencional, os controles internos existentes. “A Americanas acredita na Justiça e aguarda a conclusão das investigações para responsabilizar judicialmente todos os envolvidos”.
MPF
Segundo o Ministério Público Federal (MPF), foi formalizado um acordo de colaboração premiada com dirigentes da empresa que manifestaram interesse em colaborar com as investigações. Além disso, houve intensa cooperação com um comitê externo constituído pela empresa para apurar as fraudes.
Ainda de acordo com o órgão, foram ouvidos colaboradores, investigados, realizadas perícias e análises em materiais fornecidos pela empresa e pelos colaboradores.
Em junho de 2023, segundo o MPF, a empresa comunicou oficialmente ao mercado que encontrou inconsistências nas demonstrações financeiras, reforçando a existência da fraude contábil.
*Matéria alterada às 13h18min para acréscimo de informações.
Agência Brasil
Geral
Como desnutrição, toxinas na água e agrotóxicos criaram ‘bolsões de microcefalia’ no Brasil
Pesquisadora dedicou a última década de sua carreira a entender por que algumas regiões brasileiras — como o Nordeste e o Centro-Oeste — tiveram uma maior frequência de casos de microcefalia em bebês cujas mães foram infectadas pelo vírus zika durante a gestação.
A biomédica Patrícia Garcez se encaixa na rara categoria de pessoas que estavam no lugar certo, na hora certa.
Durante sua formação acadêmica, realizada em grande parte na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ela decidiu entender a fundo uma malformação que até então era muito rara e pouco conhecida: a microcefalia, marcada pelo desenvolvimento inadequado do cérebro durante a gestação.
“Lembro de conversar com uma amiga que trabalha com marketing e, ao explicar o que eu pesquisava, ela me perguntou: ‘Por que você estuda isso, se é algo tão raro? Não seria melhor focar em algo que seja mais comum e que afeta mais pessoas?'”, lembra Garcez.
“Mas isso nunca foi uma questão para mim. Na minha mente de formação biológica, o fato de a condição ser rara não significa que eu vou negligenciá-la ou ignorá-la”, complementa a pesquisadora.
Logicamente, essa conversa com a amiga aconteceu antes de 2015. Naquele ano, o zika, um vírus pouco conhecido, desembarcou no Brasil e foi inicialmente caracterizado como um “primo-irmão” da dengue, transmitido pelo mesmo Aedes aegypti e responsável por sintomas mais leves.
Mas a realidade mostrou-se muito mais complexa. Em maternidades espalhadas pelo país, os médicos começaram a notar um aumento anormal de casos de microcefalia — justamente a condição estudada por Garcez.
As suspeitas de que o zika poderia estar por trás do fenômeno logo se confirmaram, graças a uma série de pesquisas publicadas por cientistas brasileiros (incluindo ela própria) ao longo de 2015 e 2016.
“Quando começou o boom de microcefalia, eu não conseguia dormir… Lia tudo o que saía na imprensa e pensava em como poderia contribuir, já que sou especialista no assunto e não há muitos pesquisadores nessa área”, destaca ela.
Foi assim que começaram a surgir ideias, projetos, colaborações e estudos. À época, Garcez estava vinculada à UFRJ, instituição pela qual publicou todos os artigos que serão citados ao longo da reportagem. Mais recentemente, ela assumiu um cargo de professora no King’s College, uma instituição acadêmica sediada em Londres, no Reino Unido.
Uma das inquietações de Garcez na relação entre zika e microcefalia envolvia a desproporção de casos em determinadas regiões.
“Até pouco antes da pandemia de covid-19, o Brasil concentrava cerca de 95% dos casos da síndrome congênita do zika (SCZ)”, calcula ela.
A SCZ é o termo usado pelos especialistas para descrever todas as alterações no feto em desenvolvimento que são provocadas pela infecção por este vírus — que incluem a microcefalia, além de alterações visuais, auditivas, motoras…
A biomédica destaca que uma pesquisa realizada na Flórida, nos Estados Unidos, estimou que 1% das grávidas infectadas pelo zika transmitiram o vírus para o feto, durante a gestação.
“No Brasil, essa taxa variou entre 3%, 13%, até 40%, a depender de como cada estudo foi feito”, compara ela.
E, mesmo dentro do país, há diferenças importantes de acordo com a localidade dos casos.
Um estudo feito pela Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz) Bahia e outras instituições destaca que, entre setembro de 2015 e abril de 2016, o Brasil teve 41.473 casos prováveis de zika entre gestantes.
A maioria dessas infecções aconteceu no Sudeste (44,6% do total), seguido por Nordeste (26,8%), Sul (26,8%), Centro-Oeste (12,7%) e Norte (11%).
No entanto, dos 1.950 casos de microcefalia relacionados à infecção identificados nesse período em todo o Brasil, 70,4% dos quadros de SCZ aconteceram no Nordeste.
“O que explica uma assimetria tão grande? Por que algumas pessoas são mais atingidas que outras?”, pergunta Garcez.
O grupo de pesquisadores do qual ela faz parte começou a encontrar algumas respostas para essas questões — e, embora ainda restem muitas dúvidas pelo caminho, eles já descobriram que a desnutrição, algumas toxinas presentes na água e certos agrotóxicos ajudam a entender o que aconteceu no Brasil durante o surto de zika.
Falta proteína no prato
Uma das primeiras hipóteses que a biomédica resolveu investigar envolvia a nutrição materna. Será que a qualidade da dieta da gestante poderia ter alguma influência no desenvolvimento de uma microcefalia no bebê?
“Fizemos parcerias com epidemiologistas, que foram às regiões com mais casos de microcefalia e identificaram quadros de desnutrição severa, acima da média, entre muitas dessas mulheres”, explica Garcez.
Com base nesse dado, o grupo resolveu avaliar se a falta de proteínas na alimentação da gestante poderia de alguma maneira contribuir para que o zika conseguisse invadir a placenta e causar estragos no cérebro em desenvolvimento do feto.
Os cientistas focaram no grupo das proteínas, que inclui carnes, ovos, lácteos, entre outros, porque esses alimentos são geralmente os mais caros da cesta básica — e, por essa razão, são menos consumidos por famílias que enfrentam dificuldades econômicas.
As autoridades de saúde estabelecem que uma gestante deve comer entre 60 e 100 gramas de proteína por dia.
“E essa é uma meta que pode ser atingida facilmente se a pessoa tem uma dieta normal, sem restrições financeiras”, observa Garcez.
Para testar essa hipótese, os especialistas restringiram a dieta de camundongos gestantes no laboratório, que passaram a ter acesso a menos proteínas do que o indicado e também foram infectados com o zika.
Os resultados mostram que essa combinação (restrição de proteínas + infecção por zika) levou a alterações severas na estrutura da placenta e no crescimento do embrião. Os ratinhos que nasceram apresentavam uma menor formação de neurônios e um cérebro de tamanho reduzido — ou seja, um quadro similar à SCZ.
O mesmo não aconteceu com os camundongos gestantes que só comeram menos proteínas ou aqueles que foram apenas infectados com o zika. Isso sugere que a junção dos dois fatores ajuda a entender parte desse cenário.
“Suspeitamos que a desnutrição materna pode causar uma supressão do sistema imune, de modo que o vírus consegue atravessar a placenta e causar danos”, sugere a biomédica.
Quando o zika ultrapassa a barreira placentária — especialmente nos primeiros meses de gestação, quando a formação do cérebro está nas etapas iniciais — o estrago é quase certo.
“O zika tem uma capacidade notável de infectar as células-tronco neurais, que são as ‘mães’ de todos os neurônios e formam o Sistema Nervoso Central”, ensina a biomédica.
Seca e cianobactérias
Durante as pesquisas, Garcez conversou com o biólogo Renato Molica, especialista em cianobactérias, um tipo de micro-organismo que vive na água e obtém energia por meio da fotossíntese.
“Ele me contou que havia uma espécie de cianobactéria presente em reservatórios de água, especialmente em regiões de muita seca, que produz uma substância neurotóxica, com capacidade de afetar o cérebro”, lembra ela.
A cianobactéria em questão é a Raphidiopsis raciborskii, que fabrica uma substância chamada saxitoxina.
Vale lembrar que, a partir de 2012, poucos anos antes da chegada do zika ao Brasil, a região Nordeste enfrentou uma das piores secas de sua história. Os mais afetados precisaram recorrer às águas de reservatórios, que muitas vezes acumulam esses micro-organismos.
Será que uma coisa tinha a ver com a outra? O consumo da saxitoxina poderia de alguma maneira “turbinar” os efeitos do zika no cérebro do bebê em formação?
Os experimentos do grupo de Garcez mostraram que sim: o contato com a substância neurotóxica dobrou a quantidade de células neurais mortas pelo zika em testes com organoides, ou “minicérebros” cultivados em laboratório.
“Também colocamos essa cianobactéria na água consumida por camundongos gestantes, cujos fetos ficaram mais suscetíveis à SCZ”, descreve Garcez.
“Essa toxina já causa um certo desarranjo nas células-tronco neurais. Mas, junto com o zika, esse efeito fica muito pior”, complementa ela.
Essa observação acrescentou mais uma evidência que ajuda a entender a discrepância nos números de microcefalia por região. Mas havia outras dúvidas e descobertas pela frente.
Ação dos agrotóxicos
Garcez lembra que o Centro-Oeste também apresentou números mais elevados de microcefalia durante o surto de 2015 e 2016.
Um boletim epidemiológico publicado pelo Ministério da Saúde em setembro de 2022 aponta que essa foi a segunda região mais afetada pela SCZ.
“E lá a condição socioeconômica é mais elevada que a do Nordeste e não houve aquela questão da seca”, observa a cientista.
“Mas sabemos que essa é uma região que usa grandes quantidades de agrotóxicos e herbicidas, por ter muitas terras dedicadas à agricultura”, complementa ela.
Para avaliar se essas substâncias usadas nas plantações poderiam ter alguma influência nesses casos, o grupo de Garcez fez um mapa dos agrotóxicos mais aplicados no país.
“Depois dessa triagem inicial, encontramos o 2,4-D, um herbicida muito usado no Centro-Oeste”, destaca a biomédica.
Ao fazer os testes em laboratório, os pesquisadores viram aquele mesmo efeito sinérgico observado com a desnutrição e as toxinas das cianobactérias: os camundongos gestantes que foram infectados com zika e tomaram água com 2,4-D tinham maior risco de gerar descendentes com problemas no desenvolvimento cerebral.
“E as quantidades de 2,4-D que foram usadas no estudo estavam dentro do considerado aceitável”, destaca Garcez.
Vale destacar que esse último estudo ainda não foi publicado em revistas acadêmicas, algo que deve acontecer nos próximos meses. Essa etapa é fundamental para que o experimento seja revisado por especialistas independentes.
Quem é o verdadeiro culpado
Garcez lembra que, apesar da importância de conhecer todos os cofatores que ampliam a susceptibilidade à microcefalia, é preciso estabelecer as prioridades e os focos.
“O zika é o grande vilão dessa história”, lembra ela.
A pesquisadora também conta que algumas suspeitas não se comprovaram nas pesquisas.
“Nós testamos o herbicida glifosato, por exemplo, mas não observamos qualquer sinergia com o zika”, cita ela.
A biomédica acrescenta que algumas pesquisas feitas por outros grupos sugerem que infecções prévias por dengue podem alterar o risco de transmissão vertical do zika (da gestante para o feto em formação), embora esse tema ainda seja controverso.
“Outro ponto explorado é a questão do aborto. Sabemos que mulheres de algumas regiões do país têm maior acesso ao procedimento, mesmo que ele não esteja legalizado no Brasil nesses casos”, acrescenta Garcez.
Ou seja: pode ser que algumas gestantes que tiveram zika e receberam o diagnóstico de SCZ no bebê em desenvolvimento tenham optado por não seguir com a gravidez adiante.
“E isso pode confundir e mascarar um pouco esse mapa da SCZ”, diz ela.
Por fim, a biomédica destaca que ainda há muito a se descobrir sobre o zika e os “bolsões de microcefalia”.
“Nós precisamos entender melhor por que algumas mulheres têm mais propensão a transmitir o zika para o feto. Será que há alguma característica do vírus ou da genética das pacientes que aumente o risco de SCZ?”, questiona a especialista.
“Também precisamos conhecer quais são as consequências da síndrome congênita a longo prazo. Como esses pacientes que tiveram o cérebro afetado pelo zika vão se desenvolver? Como elas estarão na fase adulta? Eles conseguirão ser independentes ou estudar?”, complementa ela.
Encontrar essas respostas é importante não apenas para passar a limpo o surto de zika que ocorreu há quase uma década — mas também para lidar com as futuras crises relacionadas a esse vírus.
“O surto pode acontecer de novo, pois o zika continua a circular e o mosquito Aedes aegypti está sempre por aí. Além disso, as novas gerações não estarão imunes a essa infecção”, conclui ela.
-
Mundo8 meses atrás
México vai às urnas em eleição histórica e pode eleger 1ª presidente mulher
-
Geral8 meses atrás
Saiba como fica a composição do TSE com a saída de Moraes e a chegada de André Mendonça
-
Geral8 meses atrás
Após derrotas no Congresso, Lula faz reunião com líderes do governo nesta segunda (3)
-
Política8 meses atrás
Apoio de Bolsonaro e estrutura do PL podem levar Fernando Rodolfo ao segundo turno em Caruaru, mostra pesquisa
-
Saúde7 meses atrás
Cientistas descobrem gene que pode estar associado à longevidade
-
Polícia8 meses atrás
Homem é executado em plena luz do dia em Bom Conselho
-
Comunidade8 meses atrás
Moradores do São João da Escócia cobram calçamento de rua há mais de 20 anos
-
Comunidade8 meses atrás
Esgoto estourado prejudica feirantes e moradores no São João da Escócia