Mundo
Japão: imperador sem sucessor direto, imperatriz deprimida
Amanhã seria dia de um novo imperador-deus, mas esse tempo já passou; realidade é de uma linha que caminha para extinção
Com 59 anos, altura guardada como segredo nacional (no meio do peito de uma enorme Michelle Obama com salto), paixão por transportes fluviais, um desejo declarado de ficar “mais perto do povo” e a inescrutabilidade emocional que se espera da sua estirpe, Naruhito, o novo imperador do Japão não está com a vida feita.
Sua mulher, a partir de amanhã imperatriz Masako, sofre de depressão profunda, agravada durante um período pelas pressões para que gerasse um herdeiro homem. Chegou a passar dez anos sem aparecer em nenhuma função pública.
A promessa que o marido fez de sempre protegê-la não resistiu à realidade do cerimonial massacrante da Casa Imperial, que impõe desde o cardápio até as roupas vestidas pelas princesas, passando pela agenda e, claro, a procriação.
A filha única do casal, Aiko, que nunca poderá suceder o pai, parece ter sofrido de anorexia em algum momento. Ou isso pode ser apenas fruto de teorias conspiratórias inventadas para enfraquecer a legitimidade de Naruhito.
Extremistas tradicionalistas fazem uma campanha muito pouco disfarçada em favor do irmão dele e, na falta de um filho homem, herdeiro, o príncipe Akishino, pai do único menino na linhagem imperial, que entra como segundo na fila.
O conspiracionismo remonta à mãe do novo imperador, Michiko, a primeira plebeia a entrar para a família, também afetada pela depressão, além da dor alucinante do herpes zoster. O distúrbio, causado por um vírus que fica alojado na espinha e eventualmente se manifesta nos piores momentos possíveis, a impede de usar tiaras e coras – outro motivo de crítica dos inimigos.
A impecável Michiko tem “origem obscura”, dizem tradicionalistas ferozes, insinuando um passado pecaminoso ou, pior ainda, de origem coreana – a desgraça final. Até os gestos de suas mãos já foram “interpretados” como estranhos à etiqueta japonesa e suspeitosamente parecidos com os das coreanas.
Masako, obviamente, não escapa da rede de maldades que inclui maluquices como o uso de dublês e bobagens como cirurgias plásticas nas pálpebras, tão comuns em países asiáticos.
Para essa turma, até os desastres naturais que aconteceram durante o reinado do imperador Akihito são atribuídos a falhas no dever principal do ocupante do Trono do Crisântemo: “Rezar pelo bem-estar da nação na qualidade de cabeça do xintoísmo”.
É por isso que “uma mulher, que fica menstruada e grávida” não pode ocupar o trono, pois as condições mencionadas a impediriam de “manter rituais constantes ao longo do ano, sendo alguns deles severamente exigentes em termos físicos”.
Como todos os mitos nacionais, o do Japão foi construído a posteriori. O primeiro imperador, Jimmu, nascido em 13 de fevereiro do ano 711 antes da era cristã, segundo a lenda, era um descendente direto da deusa do Sol, Amaterasu.
Como é próprio das divindades, ela mandou um filho para as ilhas japonesas, em algum momento houve um casamento com uma filha de Ryujin, a deusa do mar. Jimmu, um conquistador tribal, virou postumamente um guerreiro-deus e assim a lenda foi sendo moldada.
Comprovação histórica factual só aparece no século V da era cristã, quando o imperador Ankoo já era considerado o vigésimo da linha.
Durante longos períodos, o imperador foi reduzido praticamente a um refém dos shoguns, os senhores guerreiros. O aspecto mítico foi enfatizado a ponto de que ele não podia sequer ser visto por olhos humanos, dedicando-se exclusivamente aos misteriosos rituais xintoístas, uma espécie de religião não religiosa, cheia de pequenas divindades, mas ancorada fortemente no culto aos antepassados.
Ao contrário da China, o continente-mãe, onde qualquer um podia receber o “mandato do céu” – desde que, obviamente, o tivesse conquistado na ponta da espada -, o Japão cultivou a origem divino-genealógica de seus imperadores.
Essa característica foi enfatizada quando o país entrou no caminho da modernização, do ultranacionalismo belicoso e da conquista de países vizinhos, com o xintoísmo promovido a religião oficial.
Quando o país desmoronou sob a auto provocada hecatombe da II Guerra Mundial, um dos militares americanos especializados em cultura japonesa convocados para reconstruí-lo elaborou o decreto assinado em 15 de dezembro de 1945 banindo as seguintes doutrinas oficiais:
A superioridade do imperador sobre outros governantes por ser descendente da deusa Amaterasu (na chocante transmissão por rádio em que anunciou a rendição, Hiroíto já havia “abdicado” da divindade.
A superioridade inata do povo japonês sobre outros povos devido a esta ancestralidade.
A superioridade das ilhas japonesas sobre outras terras por terem sido especialmente abençoadas pela deusa Amaterasu.
É difícil imaginar um tenente americano escrevendo uma diretiva assim, mesmo que fosse um como William Kenneth Bunce, ex-diretor de faculdade em Ohio e professor no Japão durante três anos.
Teoricamente, Bunce ganhou a guerra com a deusa Amaterasu, ajudado pelo pacto tácito com que o fenomenal general Douglas MacArthur desembarcou na Tóquio arrasada em 30 de agosto de 1945: reconstruir o país sem represálias de vulto a criminosos de guerra e manter o imperador, em troca do desarmamento permanente, da democratização e do alinhamento do país com os Estados Unidos.
É claro que a União Soviética de Stalin, cuja declaração de guerra ao Japão foi o motivo predominante, maior ainda que as duas bombas atômicas americanas, para a rendição, não teve o mesmo cuidado.
Dos militares japoneses que se renderam aos soviéticos na China, calculados, entre 560 mil e 760 mil, entre 60 mil e 347 mil morreram nos campos de prisioneiros. A própria opacidade dos números retrata o destino tenebroso dos prisioneiros caídos em pode da URSS.
Desde a modernização do século 19, a monarquia japonesa copiou muita coisa da britânica, incluindo o uso de fraque e cartola para os homens, vestido de baile e tiara para as mulheres em ocasiões solenes, alternados com trajes tradicionais como os sete quimonos maravilhosamente bordados usados pelas noivas da família real.
Narujito, o primeiro bebê imperial não tirado dos pais assim que nasceu, estudou dois anos em Oxford, dedicando-se ao interessante tema do transporte no rio Tâmisa.
Nem a venerada rainha Elizabeth, aos 92 anos, ocupa no imaginário nacional uma posição tão única e elevada d do imperador para os japoneses. Tampouco é objeto de disputas políticas silenciosas.
Mesmo que Hiroito, Akihito e Naruhito tenham adotado o discurso pacifista e conciliador, o caldeirão do nacionalismo reprimido continuou a ferver como um yakiniku, o churrasco japonês.
O espectro vai desde a defesa do rearmamento do país, totalmente dependente dos Estados Unidos diante da gigantesca ameaça chinesa e das provocações do anão norte-coreano, até o ultranacionalismo extremo, incluindo a corrente que detona Naruhito e defende seu irmão Akishino.
O primeiro-ministro Shinzo Abe ocupa um lugar mais ou menos no meio desse espectro.
Fim com mistério: câmeras de segurança flagraram na sexta-feira passada um homem de capacete de pedreiro entrando na escola do filho de Akishino, o príncipe Hisahito, de doze anos.
Duas facas foram plantadas perto da carteira do menino, único descendente homem da dinastia a caminho da extinção por falta de gente, em muitos aspectos um retrato da involução populacional do próprio Japão.
As faças tinham lâminas cor-de-rosa.
Mundo
Corte japonesa ordena que governo pague indenização por esterilizações forçadas
Cerca de 25 mil japoneses foram vítimas de lei que tinha objetivo de “prevenir aumento dos descendentes inferiores”
Numa decisão histórica, o Supremo Tribunal do Japão ordenou ao governo que pagasse indenizações às pessoas que foram esterilizadas à força ao abrigo de uma lei de eugenia agora extinta, decidindo que a prática era inconstitucional e violava os seus direitos.
A Lei de Proteção Eugênica, em vigor entre 1948 e 1996, permitiu às autoridades esterilizar à força pessoas com deficiência, incluindo aquelas com perturbações mentais, doenças hereditárias ou deformidades físicas e lepra. Também permitia abortos forçados se um dos pais tivesse essas condições.
A lei tinha como objetivo “prevenir o aumento dos descendentes inferiores do ponto de vista eugênico e também proteger a vida e a saúde da mãe”, segundo uma cópia da lei – que listava “notável desejo sexual anormal” e “notável inclinação clínica” entre as condições visadas.
Cerca de 25 mil pessoas foram esterilizadas sem consentimento durante esse período, de acordo com a decisão do tribunal, citando dados do ministério.
Embora o governo tenha oferecido compensar cada vítima em 3,2 milhões de ienes (cerca de US$ 19,8 mil) em 2019, ao abrigo de uma lei de assistência, as vítimas e os seus apoiadores argumentaram que isso estava longe de ser suficiente.
A decisão de quarta-feira (3) abordou cinco ações desse tipo, movidas por demandantes de todo o país em tribunais inferiores, que depois avançaram para a Suprema Corte.
Em quatro desses casos, os tribunais inferiores decidiram a favor dos demandantes – o que o Supremo Tribunal confirmou na quarta-feira, ordenando ao governo que pagasse 16,5 milhões de ienes (cerca de US$ 102 mil) aos atingidos e 2,2 milhões de ienes (US$13 mil) aos seus cônjuges.
No quinto caso, o tribunal de primeira instância decidiu contra os demandantes e rejeitou o caso, citando o prazo de prescrição de 20 anos. O Supremo Tribunal anulou esta decisão na quarta-feira, qualificando o estatuto de “inaceitável” e “extremamente contrário aos princípios de justiça e equidade”.
O caso agora é enviado de volta ao tribunal de primeira instância para determinar quanto o governo deve pagar.
“A intenção legislativa da antiga Lei de Proteção Eugênica não pode ser justificada à luz das condições sociais da época”, disse o juiz Saburo Tokura ao proferir a sentença, segundo a emissora pública NHK.
“A lei impõe um grave sacrifício sob a forma de perda da capacidade reprodutiva, o que é extremamente contrário ao espírito de respeito pela dignidade e personalidade individuais, e viola o artigo 13º da Constituição”, acrescentou – referindo-se ao direito de cada pessoa à vida, liberdade e a busca pela felicidade.
Após a decisão de quarta-feira, os manifestantes do fora do tribunal – homens e mulheres idosos, muitos em cadeiras de rodas – celebraram com os seus advogados e apoiadores, erguendo faixas onde se lia “vitória”.
Eles estão entre o total de 39 demandantes que entraram com ações judiciais nos últimos anos – seis deles morreram desde então, de acordo com a NHK, destacando a urgência desses casos à medida que as vítimas chegam aos seus anos finais.
Numa conferência de imprensa após a decisão do tribunal, o secretário-chefe do gabinete, Yoshimasa Hayashi, expressou o remorso e o pedido de desculpas do governo às vítimas, informou a NHK. O governo pagará prontamente a compensação e considerará outras medidas, como uma reunião entre os demandantes e o primeiro-ministro Fumio Kishida, disse ele.
Este conteúdo foi criado originalmente em inglês.
versão original
Mundo
Polícia desmobiliza protesto pró-Palestina no parlamento australiano
Manifestantes carregavam faixa em que denunciavam Israel por crimes de guerra
Quatro manifestantes pró-Palestina foram levados sob custódia policial nesta quinta-feira (4) depois de escalarem o telhado do parlamento australiano em Canberra.
Os manifestantes, vestidos com roupas escuras, permaneceram no telhado do prédio por cerca de uma hora. Eles estenderam faixas pretas, incluindo uma que dizia “Do rio ao mar, a Palestina será livre”, um refrão comum dos manifestantes pró-Palestina, e entoaram slogans.
Os manifestantes empacotaram suas faixas antes de serem levados pela polícia que os aguardava por volta das 11h30, horário local.
Mundo
Reino Unido vai às urnas hoje em eleição que deve tirar Conservadores do poder
País se prepara para entrar em uma nova era política com provável derrota do grupo há 14 anos no comando
Os britânicos vão às urnas nesta quinta-feira (4) em uma votação histórica para eleger um novo parlamento e governo nas eleições gerais. Pesquisas atuais indicam que o atual primeiro-ministro Rishi Sunak, do Partido Conservador, vai perder, encerrando uma era de 14 anos do grupo no poder.
A eleição é um referendo sobre o tumultuado governo dos Conservadores, que estão no comando do Reino Unido desde 2010 e passaram por uma crise financeira global, o Brexit e a pandemia.
Se os Trabalhistas obtiverem 419 assentos ou mais, será o maior número de assentos já conquistados por um único partido, superando a vitória esmagadora de Tony Blair em 1997.
Como funcionam as eleições?
O parlamento britânico tem 650 assentos. Para ter maioria, é preciso conseguir 326 assentos.
Após uma campanha de semanas, as urnas serão abertas às 7h, no horário local, desta quinta-feira (3h, horário de Brasília), e permanecerão abertas até às 22h.
Os britânicos podem votar em cada um dos 650 distritos eleitorais do país, selecionando o candidato que representará a área.
O líder do partido que ganhar a maioria desses distritos eleitorais se torna primeiro-ministro e pode formar um governo.
Se não houver maioria, eles precisam procurar ajuda em outro lugar, governando como um governo minoritário — como Theresa May fez após um resultado acirrado em 2017 — ou formando uma coalizão, como David Cameron fez depois de 2010.
O monarca tem um papel importante, embora simbólico. O rei Charles III deve aprovar a formação de um governo, a decisão de realizar uma eleição e a dissolução do Parlamento. O rei nunca contradiz seu primeiro-ministro ou anula os resultados de uma eleição.
A votação antecipada desta quarta-feira (4) foi convocada por Sunak. O atual primeiro-ministro era obrigado a divulgar uma eleição até janeiro de 2025, mas a decisão de quando fazê-lo cabia somente a ele.
O evento, contudo, provavelmente inaugurará um governo de centro-esquerda liderado pelo ex-advogado, Keir Starmer.
Quem é Keir Starmer?
O rival de Rishi Sunak é o líder trabalhista Keir Starmer, que é amplamente favorito para se tornar o novo primeiro-ministro britânico.
Ex-advogado de direitos humanos muito respeitado que então atuou como o promotor mais sênior do Reino Unido, Starmer entrou na política tarde na vida.
Starmer se tornou um parlamentar trabalhista em 2015 e menos de cinco anos depois era o líder do partido, após uma passagem como secretário do Brexit no Gabinete Paralelo durante a saída prolongada do Reino Unido da União Europeia.
O britânico herdou um partido que se recuperava de sua pior derrota eleitoral em gerações, mas priorizou uma reformulação da cultura, se desculpando publicamente por um escândalo de antissemitismo de longa data que manchou a posição do grupo com o público.
Starmer tentou reivindicar o centro político do Reino Unido e é descrito por seus apoiadores como um líder sério e de princípios. Mas seus oponentes, tanto na esquerda de seu próprio partido quanto na direita do espectro político, dizem que ele não tem carisma e ideias, e o acusam de não ter conseguido estabelecer uma visão ambiciosa e ampla para a nação.
Quando saíram os resultados?
Após a abertura das urnas nesta quinta-feira (3), a mídia britânica estará proibida de discutir qualquer coisa que possa afetar a votação.
Mas no momento que a votação acabar, uma pesquisa de boca de urna será divulgada e definirá o curso da noite. A pesquisa, feita pela Ipsos para a BBC, ITV e Sky, projeta a distribuição de assentos do novo parlamento, e historicamente tem sido muito precisa.
Os resultados reais são contados ao longo da noite; o escopo do resultado da noite geralmente fica claro por volta das 3 da manhã, horário local (23h, horário de Brasília), e o novo primeiro-ministro geralmente assume o cargo ao meio-dia.
Mas as coisas podem demorar mais se o resultado for apertado ou se as vagas principais forem decididas na reta final.
De qualquer forma, a transferência de poder acontecerá no fim de semana, dando ao novo governo algumas semanas para trabalhar em legislações importantes antes do recesso parlamentar de verão.
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