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Revolta e incerteza marcam volta de alagamentos em Eldorado do Sul

Água voltou a inundar casas de dois bairros da cidade gaúcha

A água voltou a alagar ruas inteiras em Eldorado do Sul, no Rio Grande do Sul, nessa quinta-feira (20). A inundação atingiu os bairros da Cidade Verde e Vila da Paz, trazendo revolta e incerteza para os moradores do pequeno município de 40 mil habitantes devastado pelas chuvas de maio. A prefeitura estima que 97% da área urbana e 80% da área total do município ficaram submersas na maior catástrofe ambiental da história gaúcha.

Em algumas das ruas de Eldorado ainda é possível ver, mais de 45 dias após a enchente, montanhas de entulhos, carros arrastados pelas águas abandonados no meio da rua e até casas inteiras de madeira que foram deslocadas com a força da correnteza.

 

Porto Alegre (RS), 20/06/2024 - Rua alagada pela enchente no município de Eldorado do Sul. Foto: Bruno Peres/Agência Brasil

Rua alagada pela enchente no município de Eldorado do Sul. Foto:  Bruno Peres/Agência Brasil

Revoltada com essa situação, a dona de casa Inês da Silva, de 47 anos, tentava limpar a casa que voltou a ser invadida pela água. “No início da semana eu vim aqui e fiquei feliz que a água não estava mais na frente da minha casa, mas agora começou de novo”, lamentou.

Dos 40 mil moradores, mais de 30 mil foram atingidos pela enchente do mês passado que, em alguns pontos, chegou ao primeiro andar das casas. Após 28 dias com alagamentos, a população tentava limpar as residências para recomeçar a vida, mas novo aviso de alerta nessa quarta-feira (19) pediu para as famílias das áreas mais vulneráveis deixarem novamente suas casas.

Inês da Silva vive sozinha com três filhos, sendo a mais nova de apenas 6 anos. “Nosso psicológico está abalado. Eu já não durmo de noite mais direito. Quando a gente quer descansar, a cabeça da gente vem com tudo. É nosso lar, né? É a única casa que a gente tem. Aí, quando a gente quer voltar para as nossas casas, acontece isso aí de novo”, desabafou.

A dona de casa disse que hoje vive de aluguel, mas que não pode pagar por muito mais tempo. Ela lembrou que sua filha pegou pneumonia no abrigo e que chegou a passar fome e sede nos primeiros dias após a enchente. Para ela, a saída deve ser uma indenização para os atingidos.

“Não somos obrigados a morar no lugar que eles querem. Ou faz esse dique [para segurar as enchentes] ou a gente vai embora daqui com a indenização. Queremos uma indenização para a gente escolher um lugar onde a gente ache digno de morar. Eles indenizam nós e acabam com essa cidade, porque a cidade, na verdade, já acabou, né?”, afirmou.

Eldorado do Sul ainda tem 5,4 mil pessoas desalojadas e outras 557 em abrigos da cidade ou de municípios vizinhos.

Eldorado do Sul (RS), 22/05/2024 – CHUVAS-RS - DESTRUIÇÃO - Conforme as águas vão baixando, moradores de Eldorado do Sul tendo contato com os estragos causados pelas enchentes. - Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
Eldorado do Sul:estragos causados pelas enchentes. – Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

O pescador artesanal Luiz Antônio Ceccon de Albuquerque, de 53 anos, está no principal abrigo da cidade com a esposa. Eles viviam no bairro da Picada, às margens do Rio Jacuí, uma das regiões mais vulneráveis às cheias. Ele contou que tinha voltado para sua residência há apenas 15 dias depois das chuvas de maio, mas decidiu abandonar novamente a casa por medo de a água subir demais.

“Conseguimos a doação de cama, de colchão e ficamos ali. O fogão estava funcionando. Ganhávamos a cesta básica e estávamos fazendo comida. Aí ontem surgiu esse alerta aí da Defesa Civil. É bem impactante. Eu vou ser bem sincero, eu já chorei várias vezes”, confessou.

Luiz espera poder regressar para sua casa e retomar a atividade de pesca. Ele defende que o Poder Público tem que olhar mais para a população pobre. “Acho que eles deveriam dar uma olhada para nós. Eu sei o que eles querem. Eles querem que a gente saia da ilha, que a gente abandone as nossas casas”, destacou.

Futuro de Eldorado

O local que Luiz vivia, às margens do Rio Jacuí, dificilmente terá condições de se manter depois da última enchente, segundo avalia o vice-prefeito de Eldorado do Sul, Ricardo Alves. A principal aposta da prefeitura para segurança dos moradores é a construção de um dique em volta do centro urbano da cidade, o que excluiria as comunidades das chamadas ilhas, no leito do Rio.

O projeto para construção do dique já existe há 12 anos, mas agora, com a enchente, o vice-prefeito acredita que ela deve sair do papel. “Como todas as grandes obras do país, infelizmente elas demoram em sair do papel. Só que agora ela ganhou, devido a essa notoriedade que deu ao Eldorado do Sul à nível nacional, parece que o projeto felizmente virou prioridade. Pena ter sido as duras penas da sociedade”, disse.

 

Porto Alegre (RS), 20/06/2024 - Limpeza de locais atingidos pela enchente no município de Eldorado do Sul. Foto: Bruno Peres/Agência Brasil

Limpeza de locais atingidos pela enchente no município de Eldorado do Sul. Foto: Bruno Peres/Agência Brasil

Segundo o vice-prefeito, a obra é estimada em R$ 460 milhões de recursos da União e gestão do governo do estado do Rio Grande do Sul (RS). Ricardo informou que falta apenas o projeto de execução e que o governador Eduardo Leite (PSDB) prometeu realizar a licitação ainda esse ano.

“A gente não quer abandonar a cidade, a gente quer que ela continue crescendo, e a população continue apostando nela. Mas para isso, a gente precisa muito desse sistema de contenção de cheias”, disse, acrescentando que cerca de 1,5 mil residências não vão mais poder ficar onde estão.

Outras duas obras que a prefeitura aposta para evitar novas catástrofes é a elevação das rodovias que cortam a cidade, uma vez que elas retêm a água e contribuem para os alagamentos, e a dragagem dos rios que estão assoreados e não escoam como poderiam.

“Se pelo menos duas medidas dessas três medidas não forem executadas, Eldorado pode vir a sofrer novamente no futuro e deixar uma incerteza sobre o que vai acontecer com a cidade”, completou Ricardo.

 

Agência Brasil

 

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Principais restrições do calendário eleitoral começam em julho

Por

Primeiro turno das eleições municipais será no dia 6 de outubro

 

Marcelo Camargo/Agência Brasil

A partir deste mês, começam a valer as principais restrições previstas no calendário eleitoral para impedir o uso da máquina pública a favor de candidatos às eleições municipais de outubro. As vedações estão previstas na Lei das Eleições (Lei 9.504/1997).

No dia 6 de julho, três meses antes do pleito, começam as restrições para contratação e demissão de servidores públicos. A partir do dia 20, os partidos podem realizar suas convenções internas para a escolha dos candidatos aos cargos de prefeito, vice-prefeito e vereadores.

O primeiro turno das eleições será no dia 6 de outubro. O segundo turno da disputa poderá ser realizado em 27 de outubro nos municípios com mais de 200 mil eleitores, nos quais nenhum dos candidatos à prefeitura atingiu mais da metade dos votos válidos, excluídos os brancos e nulos, no primeiro turno.

Confira as principais restrições

6 de julho 

Nomeação de servidores – a partir do próximo sábado (6), três meses antes do pleito, os agentes públicos não podem nomear, contratar e demitir por justa causa servidores públicos. A lei abre exceção para nomeação e exoneração de pessoas que exercem função comissionada e a contratação de natureza emergencial para garantir o funcionamento de serviços públicos essenciais.

Concursos  – A nomeação de servidores só pode ocorrer se o resultado do concurso foi homologado até 6 de julho.

Verbas  – Os agentes públicos também estão proibidos de fazer transferência voluntária de recursos do governo federal aos estados e municípios. O dinheiro só pode ser enviado para obras que já estão em andamento ou para atender situações de calamidade pública.

Publicidade estatal – A autorização para realização de publicidade institucional de programas de governo também está proibida. Pronunciamentos oficiais em cadeia de rádio e televisão e a divulgação de nomes de candidatos em sites oficiais também estão vedados e só podem ocorrer com autorização da Justiça Eleitoral.

Inauguração de obras – Também fica proibida a participação de candidatos em inaugurações de obras públicas.

20 de julho

Convenções – A partir do dia 20 de julho, os partidos políticos e as federações poderão escolher seus candidatos para os cargos de prefeito, vice-prefeito e vereador. O prazo para realização das convenções termina em 5 de agosto.

Gastos de campanha – Na mesma data, o TSE divulgará o limite de gastos de campanha para os cargos que estarão em disputa.

Direito de resposta – Também começa a valer a possiblidade de candidatos e partidos pedirem direito de resposta contra reportagens, comentários e postagens que considerarem ofensivas na imprensa e nas redes sociais.

 

Agência Brasil

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Ex-diretores da Americanas alvos da PF entram na lista da Interpol

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Dois investigados encontram-se foragidos no exterior

 

Tânia Rêgo/Agência Brasil
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Os dois ex-diretores do grupo Americanas investigados pela Operação Disclosure da Polícia Federal (PF) foram incluídos na lista de Difusão Vermelha da Interpol, a polícia internacional. Segundo a PF, os dois alvos de prisão preventiva encontram-se foragidos no exterior.

Com a inclusão dos nomes, as polícias de outros países sabem que eles são procurados no Brasil e podem prendê-los, se decidirem por isso.

Os ex-diretores, cujos nomes não foram divulgados pela PF, são acusados de participação em fraudes contábeis que chegam a R$ 25,3 bilhões, segundo a Polícia Federal (PF). Além dos mandados de prisão preventiva, os agentes cumprem nesta quinta-feira (27), 15 mandados de busca e apreensão e o sequestro de bens e valores autorizados pela Justiça, que somam mais de R$ 500 milhões.

As investigações, que contaram com a colaboração da atual diretoria do grupo Americanas, também tiveram a participação do Ministério Público Federal (MPF) e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

De acordo com a PF, os alvos da operação praticaram fraudes contábeis relacionadas a operações de risco sacado, que consiste numa operação na qual a varejista consegue antecipar o pagamento a fornecedores por meio de empréstimo junto aos bancos.

“Também foram identificadas fraudes envolvendo contratos de verba de propaganda cooperada (VPC), que consistem em incentivos comerciais que geralmente são utilizados no setor, mas no presente caso eram contabilizadas VPCs que nunca existiram”, informou a PF, por meio de nota, divulgada no início da manhã.

Também por meio de nota, o grupo Americanas informou que reitera sua confiança nas autoridades que investigam o caso “e reforça que foi vítima de uma fraude de resultados pela sua antiga diretoria”. De acordo com a empresa os ex-diretores manipularam, de forma intencional, os controles internos existentes. “A Americanas acredita na Justiça e aguarda a conclusão das investigações para responsabilizar judicialmente todos os envolvidos”.

MPF

Segundo o Ministério Público Federal (MPF), foi formalizado um acordo de colaboração premiada com dirigentes da empresa que manifestaram interesse em colaborar com as investigações. Além disso, houve intensa cooperação com um comitê externo constituído pela empresa para apurar as fraudes.

Ainda de acordo com o órgão,  foram ouvidos colaboradores, investigados, realizadas perícias e análises em materiais fornecidos pela empresa e pelos colaboradores.

Em junho de 2023, segundo o MPF, a empresa comunicou oficialmente ao mercado que encontrou inconsistências nas demonstrações financeiras, reforçando a existência da fraude contábil.

*Matéria alterada às 13h18min para acréscimo de informações.

Agência Brasil

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Como desnutrição, toxinas na água e agrotóxicos criaram ‘bolsões de microcefalia’ no Brasil

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Pesquisadora dedicou a última década de sua carreira a entender por que algumas regiões brasileiras — como o Nordeste e o Centro-Oeste — tiveram uma maior frequência de casos de microcefalia em bebês cujas mães foram infectadas pelo vírus zika durante a gestação.

A biomédica Patrícia Garcez se encaixa na rara categoria de pessoas que estavam no lugar certo, na hora certa.

Durante sua formação acadêmica, realizada em grande parte na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ela decidiu entender a fundo uma malformação que até então era muito rara e pouco conhecida: a microcefalia, marcada pelo desenvolvimento inadequado do cérebro durante a gestação.

“Lembro de conversar com uma amiga que trabalha com marketing e, ao explicar o que eu pesquisava, ela me perguntou: ‘Por que você estuda isso, se é algo tão raro? Não seria melhor focar em algo que seja mais comum e que afeta mais pessoas?'”, lembra Garcez.

“Mas isso nunca foi uma questão para mim. Na minha mente de formação biológica, o fato de a condição ser rara não significa que eu vou negligenciá-la ou ignorá-la”, complementa a pesquisadora.

Logicamente, essa conversa com a amiga aconteceu antes de 2015. Naquele ano, o zika, um vírus pouco conhecido, desembarcou no Brasil e foi inicialmente caracterizado como um “primo-irmão” da dengue, transmitido pelo mesmo Aedes aegypti e responsável por sintomas mais leves.

Mas a realidade mostrou-se muito mais complexa. Em maternidades espalhadas pelo país, os médicos começaram a notar um aumento anormal de casos de microcefalia — justamente a condição estudada por Garcez.

As suspeitas de que o zika poderia estar por trás do fenômeno logo se confirmaram, graças a uma série de pesquisas publicadas por cientistas brasileiros (incluindo ela própria) ao longo de 2015 e 2016.

“Quando começou o boom de microcefalia, eu não conseguia dormir… Lia tudo o que saía na imprensa e pensava em como poderia contribuir, já que sou especialista no assunto e não há muitos pesquisadores nessa área”, destaca ela.

Foi assim que começaram a surgir ideias, projetos, colaborações e estudos. À época, Garcez estava vinculada à UFRJ, instituição pela qual publicou todos os artigos que serão citados ao longo da reportagem. Mais recentemente, ela assumiu um cargo de professora no King’s College, uma instituição acadêmica sediada em Londres, no Reino Unido.

Uma das inquietações de Garcez na relação entre zika e microcefalia envolvia a desproporção de casos em determinadas regiões.

“Até pouco antes da pandemia de covid-19, o Brasil concentrava cerca de 95% dos casos da síndrome congênita do zika (SCZ)”, calcula ela.

A SCZ é o termo usado pelos especialistas para descrever todas as alterações no feto em desenvolvimento que são provocadas pela infecção por este vírus — que incluem a microcefalia, além de alterações visuais, auditivas, motoras…

A biomédica destaca que uma pesquisa realizada na Flórida, nos Estados Unidos, estimou que 1% das grávidas infectadas pelo zika transmitiram o vírus para o feto, durante a gestação.

“No Brasil, essa taxa variou entre 3%, 13%, até 40%, a depender de como cada estudo foi feito”, compara ela.

E, mesmo dentro do país, há diferenças importantes de acordo com a localidade dos casos.

Um estudo feito pela Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz) Bahia e outras instituições destaca que, entre setembro de 2015 e abril de 2016, o Brasil teve 41.473 casos prováveis de zika entre gestantes.

A maioria dessas infecções aconteceu no Sudeste (44,6% do total), seguido por Nordeste (26,8%), Sul (26,8%), Centro-Oeste (12,7%) e Norte (11%).

No entanto, dos 1.950 casos de microcefalia relacionados à infecção identificados nesse período em todo o Brasil, 70,4% dos quadros de SCZ aconteceram no Nordeste.

“O que explica uma assimetria tão grande? Por que algumas pessoas são mais atingidas que outras?”, pergunta Garcez.

O grupo de pesquisadores do qual ela faz parte começou a encontrar algumas respostas para essas questões — e, embora ainda restem muitas dúvidas pelo caminho, eles já descobriram que a desnutrição, algumas toxinas presentes na água e certos agrotóxicos ajudam a entender o que aconteceu no Brasil durante o surto de zika.

Falta proteína no prato

Uma das primeiras hipóteses que a biomédica resolveu investigar envolvia a nutrição materna. Será que a qualidade da dieta da gestante poderia ter alguma influência no desenvolvimento de uma microcefalia no bebê?

“Fizemos parcerias com epidemiologistas, que foram às regiões com mais casos de microcefalia e identificaram quadros de desnutrição severa, acima da média, entre muitas dessas mulheres”, explica Garcez.

Com base nesse dado, o grupo resolveu avaliar se a falta de proteínas na alimentação da gestante poderia de alguma maneira contribuir para que o zika conseguisse invadir a placenta e causar estragos no cérebro em desenvolvimento do feto.

Os cientistas focaram no grupo das proteínas, que inclui carnes, ovos, lácteos, entre outros, porque esses alimentos são geralmente os mais caros da cesta básica — e, por essa razão, são menos consumidos por famílias que enfrentam dificuldades econômicas.

As autoridades de saúde estabelecem que uma gestante deve comer entre 60 e 100 gramas de proteína por dia.

“E essa é uma meta que pode ser atingida facilmente se a pessoa tem uma dieta normal, sem restrições financeiras”, observa Garcez.

Para testar essa hipótese, os especialistas restringiram a dieta de camundongos gestantes no laboratório, que passaram a ter acesso a menos proteínas do que o indicado e também foram infectados com o zika.

Os resultados mostram que essa combinação (restrição de proteínas + infecção por zika) levou a alterações severas na estrutura da placenta e no crescimento do embrião. Os ratinhos que nasceram apresentavam uma menor formação de neurônios e um cérebro de tamanho reduzido — ou seja, um quadro similar à SCZ.

O mesmo não aconteceu com os camundongos gestantes que só comeram menos proteínas ou aqueles que foram apenas infectados com o zika. Isso sugere que a junção dos dois fatores ajuda a entender parte desse cenário.

“Suspeitamos que a desnutrição materna pode causar uma supressão do sistema imune, de modo que o vírus consegue atravessar a placenta e causar danos”, sugere a biomédica.

Quando o zika ultrapassa a barreira placentária — especialmente nos primeiros meses de gestação, quando a formação do cérebro está nas etapas iniciais — o estrago é quase certo.

“O zika tem uma capacidade notável de infectar as células-tronco neurais, que são as ‘mães’ de todos os neurônios e formam o Sistema Nervoso Central”, ensina a biomédica.

Seca e cianobactérias

Durante as pesquisas, Garcez conversou com o biólogo Renato Molica, especialista em cianobactérias, um tipo de micro-organismo que vive na água e obtém energia por meio da fotossíntese.

“Ele me contou que havia uma espécie de cianobactéria presente em reservatórios de água, especialmente em regiões de muita seca, que produz uma substância neurotóxica, com capacidade de afetar o cérebro”, lembra ela.

A cianobactéria em questão é a Raphidiopsis raciborskii, que fabrica uma substância chamada saxitoxina.

Vale lembrar que, a partir de 2012, poucos anos antes da chegada do zika ao Brasil, a região Nordeste enfrentou uma das piores secas de sua história. Os mais afetados precisaram recorrer às águas de reservatórios, que muitas vezes acumulam esses micro-organismos.

Será que uma coisa tinha a ver com a outra? O consumo da saxitoxina poderia de alguma maneira “turbinar” os efeitos do zika no cérebro do bebê em formação?

Os experimentos do grupo de Garcez mostraram que sim: o contato com a substância neurotóxica dobrou a quantidade de células neurais mortas pelo zika em testes com organoides, ou “minicérebros” cultivados em laboratório.

“Também colocamos essa cianobactéria na água consumida por camundongos gestantes, cujos fetos ficaram mais suscetíveis à SCZ”, descreve Garcez.

“Essa toxina já causa um certo desarranjo nas células-tronco neurais. Mas, junto com o zika, esse efeito fica muito pior”, complementa ela.

Essa observação acrescentou mais uma evidência que ajuda a entender a discrepância nos números de microcefalia por região. Mas havia outras dúvidas e descobertas pela frente.

Ação dos agrotóxicos

Garcez lembra que o Centro-Oeste também apresentou números mais elevados de microcefalia durante o surto de 2015 e 2016.

Um boletim epidemiológico publicado pelo Ministério da Saúde em setembro de 2022 aponta que essa foi a segunda região mais afetada pela SCZ.

“E lá a condição socioeconômica é mais elevada que a do Nordeste e não houve aquela questão da seca”, observa a cientista.

“Mas sabemos que essa é uma região que usa grandes quantidades de agrotóxicos e herbicidas, por ter muitas terras dedicadas à agricultura”, complementa ela.

Para avaliar se essas substâncias usadas nas plantações poderiam ter alguma influência nesses casos, o grupo de Garcez fez um mapa dos agrotóxicos mais aplicados no país.

“Depois dessa triagem inicial, encontramos o 2,4-D, um herbicida muito usado no Centro-Oeste”, destaca a biomédica.

Ao fazer os testes em laboratório, os pesquisadores viram aquele mesmo efeito sinérgico observado com a desnutrição e as toxinas das cianobactérias: os camundongos gestantes que foram infectados com zika e tomaram água com 2,4-D tinham maior risco de gerar descendentes com problemas no desenvolvimento cerebral.

“E as quantidades de 2,4-D que foram usadas no estudo estavam dentro do considerado aceitável”, destaca Garcez.

Vale destacar que esse último estudo ainda não foi publicado em revistas acadêmicas, algo que deve acontecer nos próximos meses. Essa etapa é fundamental para que o experimento seja revisado por especialistas independentes.

Quem é o verdadeiro culpado

Garcez lembra que, apesar da importância de conhecer todos os cofatores que ampliam a susceptibilidade à microcefalia, é preciso estabelecer as prioridades e os focos.

“O zika é o grande vilão dessa história”, lembra ela.

A pesquisadora também conta que algumas suspeitas não se comprovaram nas pesquisas.

“Nós testamos o herbicida glifosato, por exemplo, mas não observamos qualquer sinergia com o zika”, cita ela.

A biomédica acrescenta que algumas pesquisas feitas por outros grupos sugerem que infecções prévias por dengue podem alterar o risco de transmissão vertical do zika (da gestante para o feto em formação), embora esse tema ainda seja controverso.

“Outro ponto explorado é a questão do aborto. Sabemos que mulheres de algumas regiões do país têm maior acesso ao procedimento, mesmo que ele não esteja legalizado no Brasil nesses casos”, acrescenta Garcez.

Ou seja: pode ser que algumas gestantes que tiveram zika e receberam o diagnóstico de SCZ no bebê em desenvolvimento tenham optado por não seguir com a gravidez adiante.

“E isso pode confundir e mascarar um pouco esse mapa da SCZ”, diz ela.

Por fim, a biomédica destaca que ainda há muito a se descobrir sobre o zika e os “bolsões de microcefalia”.

“Nós precisamos entender melhor por que algumas mulheres têm mais propensão a transmitir o zika para o feto. Será que há alguma característica do vírus ou da genética das pacientes que aumente o risco de SCZ?”, questiona a especialista.

“Também precisamos conhecer quais são as consequências da síndrome congênita a longo prazo. Como esses pacientes que tiveram o cérebro afetado pelo zika vão se desenvolver? Como elas estarão na fase adulta? Eles conseguirão ser independentes ou estudar?”, complementa ela.

Encontrar essas respostas é importante não apenas para passar a limpo o surto de zika que ocorreu há quase uma década — mas também para lidar com as futuras crises relacionadas a esse vírus.

“O surto pode acontecer de novo, pois o zika continua a circular e o mosquito Aedes aegypti está sempre por aí. Além disso, as novas gerações não estarão imunes a essa infecção”, conclui ela.

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