Saúde
Veja novidades no tratamento e prevenção de câncer apresentadas na ASCO 2024
Evento é o principal congresso de oncologia do mundo; tratamento personalizado e novos medicamentos foram destaque da edição
Nas últimas semanas, aconteceu o maior encontro sobre o câncer do mundo, o congresso da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (conhecido pela sigla ASCO, em inglês). Na conferência, realizada entre os dias 30 de maio e 3 de junho em Chicago, nos Estados Unidos, foram apresentados diversos estudos na área, com destaque para novidades no tratamento e prevenção de tumores como câncer de mama, de pulmão, de pele, mielomas, entre outros.
As inovações incluem nova terapia-alvo, novas medicações que aumentaram a sobrevida livre de progressão e reduziram o risco de recidiva ou morte, além de novas descobertas sobre prevenção e cuidados paliativos.
A seguir, a CNN reúne e explica alguns dos principais destaques apresentados na ASCO 2024. Confira:
Nova terapia-alvo para câncer de pulmão em estágio 3
Um destaque da ASCO foi um novo estudo sobre a adoção do osimertinib, uma medicação que atua no receptor do fator de crescimento epidérmico (EGFR), no tratamento de câncer de pulmão em estágio 3. Trata-se de uma terapia-alvo que mostrou resultados promissores para a sobrevida de pacientes com mutação no gene EGFR.
“Esses pacientes faziam habitualmente quimioterapia e radioterapia, mas agora temos no horizonte um estudo mostrando que para pacientes com mutação no gene EGFR, a terapia-alvo também melhora a eficácia do tratamento”, explica William Nassib William Jr., líder nacional da especialidade tumores torácicos da Oncoclínicas.
O estudo, chamado LAURA, é de fase 3 e envolveu 216 pacientes em 17 países, divididos aleatoriamente para receber osimertinib ou placebo. “O osimertinib demonstrou uma melhoria estatisticamente significativa e clinicamente relevante nas taxas de sobrevida livre de doença,” afirmou o autor principal da análise, Suresh S. Ramalingam, da Emory University School of Medicine, de Atlanta (EUA), destacando que o tratamento deve se tornar o novo padrão de cuidado para casos com mutação EGFR nesta fase.
“O benefício foi consistente em todos os subgrupos predefinidos, incluindo sexo, idade, histórico de tabagismo e estágio do câncer. Os resultados do LAURA redefinem o paradigma de tratamento, demonstrando que o osimertinib supera significativamente a imunoterapia para pacientes com mutação EGFR, estabelecendo um novo padrão de cuidado”, diz William Jr.
O câncer de pulmão, especialmente em estágio avançado, apresenta um desafio para a oncologia. Cerca de 90% dos casos em estágio 3 são considerados irressecáveis (não cirúrgicos). Anteriormente, a imunoterapia era a opção padrão para esses pacientes, mas agora, eles podem se beneficiar de um tratamento oral específico, personalizado e com um perfil de toxicidade mais favorável.
Pesquisa inédita traça perfil das variantes brasileiras do câncer de mama hereditário
O câncer de mama é o mais incidente em mulheres no Brasil, depois do câncer de pele não melanoma, segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca). Dados mundiais mostram que de 5 a 10% dos casos desse tipo de tumor têm causa genética herdada, sendo metade deles relacionado aos genes BRCA1 e BRCA2.
Um novo estudo, apresentado na ASCO, avaliou a prevalência de variantes patogênicas e de significado incerto em gentes de alta e moderada penetrância. O trabalho foi realizado com pacientes com câncer de mama que realizaram painel genético no laboratório Oncoclínicas Medicina de Precisão. Foram analisados, no total, 2.208 pacientes, sendo 90% do gênero feminino, com uma idade mediana de 47 anos.
“Essa é o maior corte de dados brasileiros nesse cenário. A prevalência de variantes patogênicas (mutações) em genes de alta e moderada penetrância para câncer de mama foi de 10%, sendo 6% em BRCA1 e 2 e 40% em genes adicionais”, destaca Leandro Jonata, oncologista da Oncoclínicas e principal autor do estudo.
Os achados indicam ainda que a taxa de mutações foi maior em pacientes abaixo dos 50 anos (12%) e com câncer de mama triplo negativo (14%). Segundo os pesquisadores, os principais genes com variantes patogênicas foram BRCA2, BRCA1, TP53 e PALB2. Já a variante R337H correspondeu a 80% das variantes no gene TP53. A prevalência de variantes de significado incerto foi de 20%, sendo ATM, NF1, BRCA2 e CHEK2 os principais genes associados, segundo Jonata.
Tratamento inovador pode reduzir câncer de pênis
Um tratamento inovador contra o câncer de pênis se mostrou eficaz na redução do volume do tumor em casos avançados. A descoberta é de um estudo brasileiro apresentado na ASCO, que mostrou que 75% dos pacientes tiveram redução em algum grau do tumor após combinarem imunoterapia à quimioterapia tradicional.
O estudo, chamado HERCULES – LACOG 0218, buscou avaliar a eficácia e a segurança da imunoterapia associada à quimioterapia tradicional como terapia de primeira linha para o tratamento do câncer de pênis avançado.
Para isso, 33 pacientes foram acompanhados durante o período da pesquisa, que começou em 2020. Os participantes foram submetidos à imunoterapia e à quimioterapia por 6 aplicações, seguido de imunoterapia até completar 34 aplicações. Eles realizaram exames de imagem a cada 6 semanas.
O estudo mostrou que 75% dos pacientes tiveram algum grau de redução do volume tumoral e que 39,4% deles apresentaram redução significativa. Além disso, dois marcadores foram identificados por meio de exames nas amostras tumorais dos pacientes: o P16 e o TMB, potenciais preditores de melhor resposta ao tratamento.
“Os resultados não são apenas uma vitória para a ciência brasileira, mas também uma prova de que a pesquisa clínica pode e deve olhar para as populações mais vulneráveis”, comenta Fernando Maluf, médico oncologista e líder do estudo.
Vacina contra o HPV é eficaz para outros cânceres além de colo de útero e pênis
Um estudo mostrou que a vacina contra o papilomavírus humano (HPV), uma das principais formas de prevenção contra o câncer de colo de útero e de pênis, também é eficaz na proteção contra outros tipos de câncer.
De acordo com Jefferson DeKlow, autor principal do estudo pela Universidade Thomas Jefferson, a pesquisa “soma um conjunto crescente de evidências que demonstram a diminuição das taxas de câncer relacionadas ao HPV entre pessoas que receberam o imunizante”. Novos dados mostram que, principalmente nos homens, o imunizante é eficaz na prevenção do câncer de cabeça e pescoço. Além disso, pode atuar em casos de câncer anal, de vagina e de vulva.
O estudo contou com a análise de 5.458.987 pacientes, dos quais 949.249 deles foram vacinados contra o HPV. Os achados no estudo mostraram que 760.540 homens vacinados contra o HPV tiveram uma menor probabilidade de desenvolver tumores relacionados ao vírus, principalmente de cabeça e pescoço. Já as mulheres imunizadas, representando 945.999, apresentaram uma menor chance de desenvolver câncer cervical e tumores relacionados ao HPV no geral.
“No Brasil, a tetravalente contra o HPV, que está disponível gratuitamente para meninas e meninos de 9 a 14 anos, e para adultos imunossuprimidos até 45 anos, protege contra os tipos 6, 11, 16 e 18 do vírus, os principais causadores do câncer do colo do útero. É preocupante para todos ver esse tipo de tumor avançando quando sabemos que ele é altamente prevenível”, comenta Marcela Bonalumi, oncologista da Oncoclínicas&Co.
Imunoterapia antes de cirurgia de melanoma avançado reduz o risco de recidiva
Um estudo, realizado por pesquisadores de diversas instituições da Austrália e dos Países Baixos, demonstrou que o uso de dois ciclos de imunoterapia combinada, antes da cirurgia, pode aumentar a chance de cura de pacientes com melanoma avançado, diminuindo o risco de ressurgimento do tumor.
Para chegar aos resultados, os pesquisadores fizeram um estudo randomizado com 423 pacientes, divididos em dois grupos: o grupo controle recebeu o tratamento convencional (cirurgia primeiro + nivolumabe por 12 meses) e a outra metade recebeu o tratamento neoadjuvante, com dois ciclos de imunoterapia combinada (nivolumabe e ipilimumabe por seis semanas) e depois a cirurgia.
Os resultados mostraram que 60% dos pacientes do grupo que recebeu dois ciclos de imunoterapia pré-operatória tiveram uma resposta patológica completa ou maior, ou seja, mais de 90% do tumor foi eliminado – o que é considerado praticamente uma cura pelos especialistas. Os outros 40%, que não alcançaram essa resposta, puderam continuar com a imunoterapia no pós-operatório para complementar.
O estudo também demonstrou que o risco de recidiva é 70% menor entre os que receberam a imunoterapia pré-operatória, em comparação com os que fizeram o tratamento-padrão.
Telessaúde é eficaz nos cuidados paliativos em pacientes com câncer de pulmão
Um estudo mostrou que consultas remotas de cuidados paliativos são tão eficazes quanto as presenciais na manutenção da qualidade de vida de pacientes com câncer de pulmão avançado. O trabalho envolveu 1.250 pacientes recentemente diagnosticados com a doença, que tiveram sessões de cuidados paliativos a cada quatro semanas. Uma parte foi designada aleatoriamente para consultas em vídeo e outra para as consultas presenciais.
As sessões abordaram sintomas físicos e psicológicos, enfrentamento, compreensão da doença, preferências de cuidados e decisões de tratamento. Segundo o estudo, após 24 semanas, as pontuações de qualidade de vida dos pacientes foram estatisticamente equivalentes entre os grupos de telessaúde e presencial (99,67 e 97,67, respectivamente, em uma escala de 0 a 136 pontos).
“A telessaúde tem o potencial de reduzir substancialmente a carga sobre os pacientes, os médicos e os recursos de saúde, ao mesmo tempo que mantém a qualidade dos cuidados. Nossas descobertas destacam a necessidade crítica dos sistemas de saúde e dos legisladores adotarem a telessaúde de forma mais ampla em padrões de cuidados paliativos baseados em evidências”, diz o autor principal do estudo, Joseph Greer, codiretor do Programa de Pesquisa e Educação sobre Resultados do Câncer no Massachusetts General Hospital, em comunicado à imprensa.
Saúde
Cientistas descobrem gene que pode estar associado à longevidade
Estudo reforça descobertas anteriores de que a genética pode ser fator para o envelhecimento saudável e melhor qualidade de vida
Cientistas descobriram um novo gene que pode controlar o envelhecimento e o tempo de vida de células. O achado, publicado na revista médica Journal of Clinical Investigation em junho, reforça descobertas anteriores de que a genética está relacionada à longevidade e ao envelhecimento saudável.
O estudo, realizado por pesquisadores italianos, descobriu que a sequência de DNA humano C16ORF70 codifica uma proteína chamada Mytho. Essa proteína pode estar relacionada a uma melhor qualidade de vida e pode atuar na remoção de proteínas e organelas danificadas, melhorando a homeostase (habilidade dos organismos de manterem seu meio interno estável) celular, segundo os cientistas.
Em outras palavras, a ativação do Mytho pode estimular um envelhecimento saudável e levar à longevidade, já que ela promove a autofagia, um processo de “autodigestão” das células, essencial para combater o acúmulo de danos celulares naturais do envelhecimento.
Para chegar a essa conclusão, os cientistas realizaram pesquisas computacionais para identificar genes no genoma humano que poderiam ter relevância nos mecanismos que controlam a qualidade das proteínas e das organelas. “Entre os vários candidatos, a equipa focou-se num gene que se destacou por ser extremamente conservado entre diferentes espécies animais, desde humanos a vermes, chamado C16ORF70/Mytho”, explica Anais Franco Romero, co-autor do estudo.
Por meio de experimentos de manipulação genética, realizados em vermes da espécie Caenorhabditis elegans (comumente utilizados em estudos sobre genética, por terem diversos genes em comum com os humanos), os pesquisadores demonstraram que a inibição desse gene causa a senescência celular precoce (fase em que as células param de se replicar) e o encurtamento da vida útil. Por outro lado, a ativação do gene melhora a qualidade de vida e permite um envelhecimento saudável.
“Depois de anos de estudos, conhecemos algo sobre o nosso genoma, mas a função da maior parte do nosso código genético ainda é desconhecida”, sublinha Marco Sandri, professor do Departamento de Ciências Biomédicas da Universidade de Pádua e pesquisador principal do Instituto Veneto de Medicina Molecular (VIMM).
“Um exemplo são os genes que codificam proteínas, dos quais mais de 5.000 de um total de 20.000 são completamente desconhecidos. Por isso, nos últimos anos temos utilizado recursos e energia para caracterizar este mundo desconhecido do nosso DNA”, completa.
Segundo os pesquisadores, o gene está presente no DNA de todos os humanos e de outros seres vivos também, desde pequenos organismos, como os vermes utilizados no estudo, até animais silvestres. Os resultados do estudo sugerem que a ativação do Mytho poderá ser usada, futuramente, em intervenções específicas para promover a longevidade. No entanto, mais estudos são necessários para compreender como realizar essa expressão e entender se o Mytho poderia estar envolvido em outras funções relacionadas à longevidade.
Queijo pode colaborar com envelhecimento saudável e feliz, diz estudo
Saúde
Genética pode influenciar se café é bom ou ruim para saúde, diz estudo
Pesquisadores também descobriram que variantes genéticas relacionadas ao maior consumo de café estão associadas ao maior risco de desenvolver obesidade
Um novo estudo aponta que a genética pode influenciar tanto na quantidade de café consumido por uma pessoa, quanto na possibilidade de esse consumo trazer efeitos positivos ou negativos à saúde. O trabalho foi publicado na revista Neuropsychopharmacology, em junho.
Apesar de não responder com certeza à pergunta: “O café é bom ou ruim?”, a pesquisa revela conexões importantes entre genética, consumo de café e a sua relação com a obesidade. Os pesquisadores também descobriram ligações entre o consumo da bebida e condições de saúde mental, apesar de serem relações menos diretas.
A quantidade de café ou cafeína que uma pessoa consome pode ser parcialmente herdada dos pais. Segundo pesquisas anteriores, realizadas com gêmeos, características relacionadas à cafeína são de 36% a 58% hereditárias. Essa foi uma das questões abordadas pelo atual estudo.
“Tínhamos bons motivos para suspeitar, a partir de artigos anteriores, que havia genes que influenciavam a quantidade de café que alguém consome”, afirma Abraham Palmer, um dos principais autores do estudo e professor do Departamento de Psiquiatria da Escola de Medicina da UC San Diego, em comunicado à imprensa.
“Portanto, não ficamos surpresos ao encontrar evidências estatísticas de que essa é uma característica hereditária em ambas as coortes que examinamos. Em outras palavras, as variantes genéticas específicas que você herda de seus pais influenciam a quantidade de café que você provavelmente consumirá”, completa.
Relação entre genética, café e obesidade
Para entender se o café é bom ou não para a saúde — e como a genética pode determinar isso –, os pesquisadores realizaram um “estudo de associação do genoma inteiro” (GWAS), que analisa genomas completos dos participantes para identificar as variantes genéticas associadas a uma determinada característica. Para fazer esse estudo, a equipe coletou dados genéticos e informações sobre o consumo de café auto-relatado.
Para juntar todos esses dados, os pesquisadores utilizaram dois bancos de dados e compararam suas informações: 23andMe, com 130.153 participantes dos Estados Unidos, e do UK Biobank, com 334.649 participantes do Reino Unido. Em ambas as pesquisas, os cientistas encontraram evidências de uma disposição genética para o consumo de café e identificaram genes específicos que influenciam o consumo de café e a rapidez em que a cafeína é metabolizada.
Além disso, os pesquisadores descobriram que os participantes que carregam variantes genéticas relacionadas ao maior consumo de café tinham maiores chances de desenvolverem obesidade. No entanto, isso não significa que quem toma bastante café será obeso, mas, sim, que os fatores genéticos que influenciam no consumo de café também podem influenciar no desenvolvimento da doença.
Relação entre café e saúde mental foi menos clara
Por outro lado, quando os pesquisadores analisaram a relação entre consumo de café e doenças psiquiátricas, os resultados foram menos claros.
“Olhe para a genética da ansiedade, por exemplo, ou bipolaridade e depressão: no conjunto de dados do 23andMe, elas tendem a ser geneticamente correlacionados de forma positiva com a genética do consumo de café”, explicou Hayley H. A. Thorpe, autora principal do estudo e pesquisadora do Departamento de Anatomia e Biologia Celular da Schulich School of Medicine and Dentistry da Western University em Ontário. “Mas então, no UK Biobank, você vê o padrão oposto, onde eles são geneticamente correlacionados de forma negativa. Isso não era o que esperávamos”.
Os pesquisadores têm algumas teorias do porquê surgiram diferenças nos resultados. O primeiro fator poderia estar nas perguntas realizadas aos participantes por cada pesquisa. A 23andMe, por exemplo, perguntava: “Quantas porções de 5 onças (tamanho de uma xícara) de café com cafeína você consome por dia?”, enquanto na UK Biobank, a pergunta era: “Quantas xícaras de café você bebe por dia? (Inclua café descafeinado)”.
Além disso, as pesquisas não incluíram diferentes preparações de café. “Sabemos que, no Reino Unido, eles geralmente têm uma preferência maior por café instantâneo, enquanto o café moído é preferido nos EUA”, opinou Thorpe. Os pesquisadores também observaram que os norte-americanos têm preferência por bebidas açucaradas, como frappucinos.
Em outras palavras, isso significa que, mesmo se duas pessoas tivessem genes idênticos relacionados ao consumo de café, seus hábitos poderiam ser diferentes se tivessem nascido no Reino Unido ou nos Estados Unidos. Ou seja, o ambiente em que uma pessoa está inserida também pode ter um efeito em como ela age.
Apesar dos achados, os pesquisadores ressaltam a necessidade de serem feitos mais estudos para desvendar as relações entre genética e ambiente, focando não apenas na ingestão de café/cafeína, mas também em outras questões de uso de substâncias.
Saúde
Metade das malformações vasculares é diagnosticada de forma errada
Erro pode atrasar tratamento e expor paciente a riscos desnecessários
A maioria dos casos de malformação vascular é diagnosticada erroneamente como hemangiomas, que são tumores vasculares da infância. O diagnóstico errado causa atrasos no tratamento adequado e, às vezes, exposição dos pacientes a medicações e cirurgias desnecessárias.
Por isso, a Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular-Regional São Paulo (Sbacv-SP) alerta sobre a dificuldade, o desafio e a necessidade de uma avaliação correta desses casos, que fazem parte de um grande grupo de doenças subdivido em tumores e malformações vasculares. Estima-se que as malformações vasculares acometam 1% da população e os hemangiomas, de 4% a 5% dos recém-nascidos.
“As anomalias vasculares são pouco abordadas durante as graduações na área da saúde. Portanto, a maioria dos médicos, enfermeiros e fisioterapeutas nunca se deparou com essas doenças e pode ter dificuldade em diagnosticá-las e classificá-las adequadamente. Qualquer mancha visível com coloração avermelhada ou arroxeada já é chamada de hemangioma pelo público leigo e, muitas vezes, até por profissionais da saúde. É fácil confundir quando não se tem nenhum conhecimento prévio sobre o assunto, mas um olhar mais cuidadoso pode revelar informações importantes para um diagnóstico correto”, explicou a cirurgiã vascular e vice-diretora científica da Sbacv-SP, Luísa Ciucci Biagioni.
As duas anomalias têm características, evolução e tratamento muito diferentes e, por isso, é essencial saber classificá-las. Enquanto os hemangiomas são tumores benignos mais comuns na infância e proliferam desde as primeiras semanas de vida, com crescimento rápido nos primeiros meses e diminuindo sexto ao 12º mês de vida. As malformações vasculares são estruturas malformadas, não tumorais, que se desenvolvem no período embrionário e crescem junto com o indivíduo.
“Estima-se que de 5% a 10% dos hemangiomas da infância possam ter complicações como crescimento desproporcional, feridas, sangramento e infecções. A maior parte deles cresce e involui lentamente dos 8 aos 12 meses. Podem deixar uma pequena cicatriz, com ou sem vasinhos residuais. Os hemangiomas congênitos raramente podem evoluir com complicações como inchaço, sangramento, dor local, consumo leve de plaquetas. Na maioria das vezes, não desaparecem espontaneamente e podem necessitar de cirurgias para ressecção”, explicou Luísa.
Segundo a médica, as malformações vasculares são caracterizadas por vários tipos de lesões, desde pequenas manchas capilares até lesões mais extensas que atingem todo o corpo. As malformações menores e mais localizadas, com fluxo lento, como as capilares, linfáticas e venosas, são facilmente tratadas e raramente causam complicações. Às vezes, podem estar acompanhadas de outras deformidades, como hipertrofia do membro, alterações musculares e esqueléticas e alterações neurológicas ou oculares. Quando extensas, podem ter complicações como infecção, sangramento, tromboembolismo venoso, prejuízo na locomoção e dor crônica.
No caso dos hemangiomas, as lesões são abauladas, com coloração rosa ou avermelhada (aspecto de morango), apresentando vasos finos na superfície e, às vezes, um círculo pálido ao redor. Eles acometem principalmente meninas, em uma proporção de quatro para um, sendo mais frequentes na região da face e do tronco. Os mais extensos podem deixar cicatrizes esbranquiçadas na pele e vasinhos superficiais. A maioria dos pacientes com hemangioma infantil não desenvolve comprometimentos significativos. Apenas uma pequena parte apresenta problemas como úlceras, sangramentos ou infecções. As lesões próximas ao olho ou nas pálpebras, ponta do nariz e região genital podem apresentar maior taxa de complicações, como prejuízo no desenvolvimento das estruturas locais e ulcerações.
“O diagnóstico correto é fundamental para que a família e o paciente comecem a compreender a condição e para que o médico possa traçar um planejamento adequado de tratamento, que pode variar da observação clínica até uma intervenção com cirurgia ou embolizações. Muitos pacientes são submetidos a tratamentos inadequados. Às vezes, há sequelas e complicações graves, como sangramentos e lesão de estruturas saudáveis, como nervos e músculos,” esclareceu a especialista.
Causas e tratamento
A médica explicou que a maior parte das malformações vasculares é causada por uma mutação nos genes que regulam a comunicação no interior da célula e o desenvolvimento de vasos sanguíneos e ou linfáticos. A mutação acontece por volta da quarta semana de vida do embrião e não é herdada dos pais, com apenas 5% das malformações sendo causadas por herança familiar.
Já os hemangiomas da infância não têm uma causa exata descrita na literatura médica, mas algumas teorias tentam explicar seu surgimento, como migração de células placentárias para o feto e migração de células endoteliais progenitoras após situações de estresse com baixa oxigenação.
De acordo com Luísa, os tratamentos são feitos de acordo com o tipo de lesão e os sintomas apresentados pelos pacientes, com o uso de medicações específicas para controle do crescimento dos hemangiomas da infância e uso de laser nos casos de lesão residual. Para as malformações, o tratamento podem ser com embolizações, cirurgias, medicações específicas para o controle de complicações, fisioterapia e uso de terapia compressiva para reduzir o edema e a dor, entre outros procedimentos.
Luísa Biagioni informou que, após avaliação clínica e exames complementares, as prioridades de tratamento são definidas em conjunto com a família e o paciente. “Para algumas condições, optamos apenas pelo acompanhamento clínico, enquanto para outras usamos terapias com medicamentos analgésicos, anticoagulantes ou terapias específicas. Lesões menos graves podem ser tratadas por cirurgiões especializados em problemas vasculares. Já para malformações vasculares como venosas, linfáticas ou arteriovenosas, podemos recorrer a tratamentos percutâneos ou endovasculares.”
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