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“Caminhamos para uma nova crise fiscal com desemprego e recessão”, diz Paulo Tafner

UM dos pais da reforma previdenciária aprovada em 2019, o economista lança, junto a Fábio Giambiagi lançam livro sobre insuficiências da Previdência e a necessidade de uma nova reforma

 

Marcello Casal JrAgência Brasil

 

Mudanças no sistema previdenciário que passariam por desindexação do salário mínimo, alteração no benefício assistencial e um sistema de capitalização poderiam ajudar os cofres púbicos a economizarem R$ 875,1 bilhões com a Previdência nos próximos 10 anos, defendem economistas.

A última reforma da Previdência, aprovada em 2019, propunha economia de R$ 621,3 bilhões para os cofres. Mas, de acordo com os economistas Paulo Tafner e Fábio Giambiagi, não é sustentável. Por isso, mais mudanças devem ser feitas.

“Estamos caminhando para uma nova crise fiscal com desemprego e recessão. E vamos continuar tendo déficit previdenciário. Portanto, apenas com uma reforma mais ousada que vamos resolver os problemas”, afirma Tafner, que foi um dos pais da reforma aprovada em 2019.

Ele, junto a Giambiagi, escreveu o livro “A Reforma Inacabada – O futuro da Previdência Social no Brasil”, no qual alertam para o aumento da despesa previdenciária e apresentam propostas para uma nova reforma.

A obra cita implicações diretas dos benefícios previdenciários nas contas públicas e como insuficiências do INSS sobrecarregam a economia. Além disso, como essas deficiências vão favorecer o aumento do déficit da Previdência, caso não haja uma nova reforma.

Apesar da reforma da Previdência de 2019 ter sido a melhor da história do Brasil, segundo os economistas, ela possui lacunas carregadas até das mudanças anteriores. Em 1998, no segundo governo de Fernando Henrique Cardoso e em 2003, no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva.

“Com FHC se fez uma tentativa de uma reforma de certa ambição, enquanto, no governo Lula, demos um passo importante com a incorporação de uma idade mínima para se aposentar”, explica Giambiagi.

Rio de Janeiro, Rj, BRASIL. 09/01/2019; Fabio Giambiagi,esconomista chefe do BNDES. ( Foto: Ricardo Borges/Folhapress) / Ricardo Borges

 

“Uma reforma precisa ter um grande debate prévio”, continua. O especialista diz que é preciso entender que, para aprovar a ‘fruta madura’ em 2019, houve um processo intenso de discussão em 2017 e 2018.

Em 2019, a mudança acabou com a aposentadoria por tempo de contribuição, reduziu a diferença de idade para aposentadoria entre homens e mulheres e aumentou a idade para professores.

Para Giambiagi, também era essencial proibir aposentadorias tão precoces de pessoas muito sadias – e isso foi feito. “Do ponto de vista fiscal, é um benefício duplo ao governo. As receitas continuam entrando por muito mais anos e a aposentadoria é paga bem mais para a frente”, comenta.

Mas ficaram alguns buracos e existem quatro principais pontos negativos, segundo eles:

  • Aposentadoria Rural: foi um erro não alterar o cálculo do benefício aos trabalhadores rurais e aumentar a diferença de idade de aposentadoria entre mulheres e homens para 7 anos. Segundo os economistas, a Previdência rural corresponde a 40% do déficit total.
  • Igualdade de gênero: era preciso pelo menos tentar igualar a idade de aposentadoria entre mulheres e homens. A diferença diminuiu de 5 para 3 anos. Segundo os economistas, elas produzem um passivo previdenciário proporcionalmente maior, já que vivem cerca de 7 anos a mais. Apesar de ser muito difícil por questões políticas, há a necessidade de igualar progressivamente.
  • Aposentadoria masculina: Giambiagi explica que a idade para a aposentadoria dos homens é de 65 anos desde 1998. Por isso, com o crescimento da expectativa de vida, é o momento de pensarmos em aumentar essa faixa, com uma transição suave e bem discutida.
  • Benefício assistencial: para eles, é um equívoco econômico dar a Loas (Lei Ordinária de Assistência Social) no mesmo valor e na mesma idade para quem não contribuiu e quem contribuiu com o INSS. Para Giambiagi é preciso premiar os contribuintes.

Além dessas questões métricas, os autores citam o envelhecimento populacional como o principal inimigo da Previdência.

“A demografia conspira contra o nosso sistema de repartição. Rezamos para que a geração futura financie seus próprios benefícios, mas não vai. Tínhamos 7 ativos para financiar 1 inativo. Hoje, estamos em torno de 2, caminhando para 1,5 para um”, alerta Tafner.

De acordo com o economista, o envelhecimento demográfico exigiu uma maior parcela do orçamento da União, comprimindo a capacidade de investimentos públicos. A Previdência Social teve déficit de R$ 306 bilhões em 2023, segundo o Boletim Estatístico da Previdência Social de dezembro de 2023.

“Estamos entrando numa fase de rápido envelhecimento pelos próximos 20 anos. Os trabalhadores ativos, que ainda são maioria, vão rapidamente para a aposentadoria. O déficit vai aumentar de forma explosiva”, diz Tafner.

Paulo Tafner é pesquisador da FIPE – Fundação Instituto de Pesquisa Econômica

Paulo Tafner é pesquisador da FIPE – Fundação Instituto de Pesquisa Econômica / Reprodução

 

O especialista é pessimista quanto ao cenário econômico, caso não haja uma reforma. De acordo com ele, para corrigir o gasto acelerado atualmente, é preciso aumentar a carga tributária, que seria voltada ao setor privado. “Assim, perdemos eficiência econômica. Estamos em uma encruzilhada”, afirma.

Giambiagi complementa e diz que vai ter déficit da Previdência por muitos anos, o que não pode ocorrer é o resultado negativo do governo. Ou seja, é preciso evitar o crescimento do déficit do INSS e controlar as despesas do Tesouro.

Apesar da dificuldade política para aprovar mudanças na Previdência, Giambiagi diz que, se fosse presidente, pediria as propostas mais importantes para mudar, visto que é preciso fazer sacrifícios políticos.

Portanto, os economistas listaram algumas propostas que, somadas à atual legislação, pode resultar numa economia de R$ 875,1 bilhões em 10 anos para o INSS.

Desindexação do salário mínimo

Hoje o piso salarial da aposentadoria está atrelado ao salário mínimo. Ou seja, todo aumento no benefício gera o mesmo efeito na Previdência. Para os economistas, isso não faz sentido.

“60% dos benefícios previdenciários têm valor igual ao mínimo. Então, toda vez que há aumento real, aumentam-se as despesas em 45% em termos reais”, explica Tafner.

A proposta é que um piso da aposentadoria seja fixado independentemente. Dessa forma, qualquer aumento no salário mínimo não afetaria os gastos do INSS.

“Ele poderia chegar a R$ 5 mil e o piso continuaria sendo corrigido pela inflação para garantir o poder de compra dos idosos. Aliás, funciona assim com todos os aposentados que ganham mais que o mínimo. Não tem ganho real e não precisa ter”, completa.

Tafner diz ainda que, em termos técnicos, quem ganha salário mínimo não é pobre. “Por mais cruel que seja essa frase, se alguém ganha o benefício, já saiu da linha da pobreza. Ao aumentar o mínimo, não se está reduzindo a pobreza, está apenas afastando os pobres mais ainda da faixa da pobreza”, opina.

Adaptação à demografia

Os especialistas propõem uma reforma paramétrica com ajustes na idade da aposentadoria e no benefício rural que ajudam a mitigar o crescimento da despesa previdenciária. É uma adaptação à um cenário de longevidade populacional com mais beneficiários e menos contribuintes.

“A demografia atual não repõe a população. A taxa de fecundidade está em 1,5, ou seja, um casal não se repõe. A população brasileira vai começar a cair e será cedo”, atenta Paulo Tafner.

Sistema de capitalização

Como alternativa para aliviar as despesas do INSS, os autores divergem sobre um sistema de capitalização.

Tafner explica que a repartição atual não resolve o problema e que uma capitalização por meio de um fundo de previdência diminuiria muito o déficit.

“O cálculo de contribuição média ainda valeria, mas só até dois salários mínimos. A partir disso até o teto do benefício, a pessoa e o empregador contribuem para um fundo de previdência. Quando se aposentar, recebe o valor anual dividido pela expectativa de vida”.

Segundo ele, o sistema não geraria passivo ao INSS e ainda estimularia o trabalhador a poupar durante a vida para ganhar mais lá na frente. Porém, Giambiagi levanta a ressalva do custo de transição.

“Se todas as contribuições se voltassem a um sistema privado, o INSS deixaria de receber essa receita, que equivale a 5% do PIB. Esse impacto fiscal de curto prazo, que podem ser de décadas, levaria o déficit público à lua”, afirma.

O economista diz que o benefício fiscal é de muito longo prazo com um custo-benefício político muito alto.

Benefício assistencial

Sobre a Lei Orgânica de Assistência Social, conhecida como Loas, Fábio Giambiagi defende uma mudança coerente com os contribuintes e com a expectativa de vida da população.

O benefício, no valor de R$ 1.412, é destinado para idosos e pessoas com deficiência que tenham renda familiar inferior a um quarto do salário mínimo.

“Se alguém ganha cerca de um mínimo, porque ela vai contribuir se, quando se aposentar, voltará a receber o salário mínimo? O benefício pode continuar, mas precisamos premiar quem contribui”, afirma Giambiagi.

E continua: “há uma ideia de quem defende uma reforma defende o fim do benefício assistencial. É uma mentira, não conheço nenhum reformista que defenda isso”.

Como o benefício está em lei ordinária, a ideia dos economistas é adiar o pagamento do Loas alguns anos e antecipar, para a data de aposentadoria (hoje de 65 anos), para os contribuintes. “As pessoas recebem o benefício por 20 anos, porque começam aos 65 e a expectativa de vida só aumentou”, completa.

Giambiagi explica que, quando se discute Previdência, olha-se 50 anos no futuro. Na sua visão, se não houver uma reforma, o déficit vai continuar se agravando.

Para 2025, os economistas projetam um déficit da Previdência de R$ 340 bilhões. “Ficar velho é ruim, mas ficar velho e pobre é terrível. E o Brasil está escolhendo isso”, afirma Tafner.

CNN Brasil

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Principais restrições do calendário eleitoral começam em julho

Por

Primeiro turno das eleições municipais será no dia 6 de outubro

 

Marcelo Camargo/Agência Brasil

A partir deste mês, começam a valer as principais restrições previstas no calendário eleitoral para impedir o uso da máquina pública a favor de candidatos às eleições municipais de outubro. As vedações estão previstas na Lei das Eleições (Lei 9.504/1997).

No dia 6 de julho, três meses antes do pleito, começam as restrições para contratação e demissão de servidores públicos. A partir do dia 20, os partidos podem realizar suas convenções internas para a escolha dos candidatos aos cargos de prefeito, vice-prefeito e vereadores.

O primeiro turno das eleições será no dia 6 de outubro. O segundo turno da disputa poderá ser realizado em 27 de outubro nos municípios com mais de 200 mil eleitores, nos quais nenhum dos candidatos à prefeitura atingiu mais da metade dos votos válidos, excluídos os brancos e nulos, no primeiro turno.

Confira as principais restrições

6 de julho 

Nomeação de servidores – a partir do próximo sábado (6), três meses antes do pleito, os agentes públicos não podem nomear, contratar e demitir por justa causa servidores públicos. A lei abre exceção para nomeação e exoneração de pessoas que exercem função comissionada e a contratação de natureza emergencial para garantir o funcionamento de serviços públicos essenciais.

Concursos  – A nomeação de servidores só pode ocorrer se o resultado do concurso foi homologado até 6 de julho.

Verbas  – Os agentes públicos também estão proibidos de fazer transferência voluntária de recursos do governo federal aos estados e municípios. O dinheiro só pode ser enviado para obras que já estão em andamento ou para atender situações de calamidade pública.

Publicidade estatal – A autorização para realização de publicidade institucional de programas de governo também está proibida. Pronunciamentos oficiais em cadeia de rádio e televisão e a divulgação de nomes de candidatos em sites oficiais também estão vedados e só podem ocorrer com autorização da Justiça Eleitoral.

Inauguração de obras – Também fica proibida a participação de candidatos em inaugurações de obras públicas.

20 de julho

Convenções – A partir do dia 20 de julho, os partidos políticos e as federações poderão escolher seus candidatos para os cargos de prefeito, vice-prefeito e vereador. O prazo para realização das convenções termina em 5 de agosto.

Gastos de campanha – Na mesma data, o TSE divulgará o limite de gastos de campanha para os cargos que estarão em disputa.

Direito de resposta – Também começa a valer a possiblidade de candidatos e partidos pedirem direito de resposta contra reportagens, comentários e postagens que considerarem ofensivas na imprensa e nas redes sociais.

 

Agência Brasil

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Ex-diretores da Americanas alvos da PF entram na lista da Interpol

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Dois investigados encontram-se foragidos no exterior

 

Tânia Rêgo/Agência Brasil
Geral

 

Os dois ex-diretores do grupo Americanas investigados pela Operação Disclosure da Polícia Federal (PF) foram incluídos na lista de Difusão Vermelha da Interpol, a polícia internacional. Segundo a PF, os dois alvos de prisão preventiva encontram-se foragidos no exterior.

Com a inclusão dos nomes, as polícias de outros países sabem que eles são procurados no Brasil e podem prendê-los, se decidirem por isso.

Os ex-diretores, cujos nomes não foram divulgados pela PF, são acusados de participação em fraudes contábeis que chegam a R$ 25,3 bilhões, segundo a Polícia Federal (PF). Além dos mandados de prisão preventiva, os agentes cumprem nesta quinta-feira (27), 15 mandados de busca e apreensão e o sequestro de bens e valores autorizados pela Justiça, que somam mais de R$ 500 milhões.

As investigações, que contaram com a colaboração da atual diretoria do grupo Americanas, também tiveram a participação do Ministério Público Federal (MPF) e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

De acordo com a PF, os alvos da operação praticaram fraudes contábeis relacionadas a operações de risco sacado, que consiste numa operação na qual a varejista consegue antecipar o pagamento a fornecedores por meio de empréstimo junto aos bancos.

“Também foram identificadas fraudes envolvendo contratos de verba de propaganda cooperada (VPC), que consistem em incentivos comerciais que geralmente são utilizados no setor, mas no presente caso eram contabilizadas VPCs que nunca existiram”, informou a PF, por meio de nota, divulgada no início da manhã.

Também por meio de nota, o grupo Americanas informou que reitera sua confiança nas autoridades que investigam o caso “e reforça que foi vítima de uma fraude de resultados pela sua antiga diretoria”. De acordo com a empresa os ex-diretores manipularam, de forma intencional, os controles internos existentes. “A Americanas acredita na Justiça e aguarda a conclusão das investigações para responsabilizar judicialmente todos os envolvidos”.

MPF

Segundo o Ministério Público Federal (MPF), foi formalizado um acordo de colaboração premiada com dirigentes da empresa que manifestaram interesse em colaborar com as investigações. Além disso, houve intensa cooperação com um comitê externo constituído pela empresa para apurar as fraudes.

Ainda de acordo com o órgão,  foram ouvidos colaboradores, investigados, realizadas perícias e análises em materiais fornecidos pela empresa e pelos colaboradores.

Em junho de 2023, segundo o MPF, a empresa comunicou oficialmente ao mercado que encontrou inconsistências nas demonstrações financeiras, reforçando a existência da fraude contábil.

*Matéria alterada às 13h18min para acréscimo de informações.

Agência Brasil

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Como desnutrição, toxinas na água e agrotóxicos criaram ‘bolsões de microcefalia’ no Brasil

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Pesquisadora dedicou a última década de sua carreira a entender por que algumas regiões brasileiras — como o Nordeste e o Centro-Oeste — tiveram uma maior frequência de casos de microcefalia em bebês cujas mães foram infectadas pelo vírus zika durante a gestação.

A biomédica Patrícia Garcez se encaixa na rara categoria de pessoas que estavam no lugar certo, na hora certa.

Durante sua formação acadêmica, realizada em grande parte na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ela decidiu entender a fundo uma malformação que até então era muito rara e pouco conhecida: a microcefalia, marcada pelo desenvolvimento inadequado do cérebro durante a gestação.

“Lembro de conversar com uma amiga que trabalha com marketing e, ao explicar o que eu pesquisava, ela me perguntou: ‘Por que você estuda isso, se é algo tão raro? Não seria melhor focar em algo que seja mais comum e que afeta mais pessoas?'”, lembra Garcez.

“Mas isso nunca foi uma questão para mim. Na minha mente de formação biológica, o fato de a condição ser rara não significa que eu vou negligenciá-la ou ignorá-la”, complementa a pesquisadora.

Logicamente, essa conversa com a amiga aconteceu antes de 2015. Naquele ano, o zika, um vírus pouco conhecido, desembarcou no Brasil e foi inicialmente caracterizado como um “primo-irmão” da dengue, transmitido pelo mesmo Aedes aegypti e responsável por sintomas mais leves.

Mas a realidade mostrou-se muito mais complexa. Em maternidades espalhadas pelo país, os médicos começaram a notar um aumento anormal de casos de microcefalia — justamente a condição estudada por Garcez.

As suspeitas de que o zika poderia estar por trás do fenômeno logo se confirmaram, graças a uma série de pesquisas publicadas por cientistas brasileiros (incluindo ela própria) ao longo de 2015 e 2016.

“Quando começou o boom de microcefalia, eu não conseguia dormir… Lia tudo o que saía na imprensa e pensava em como poderia contribuir, já que sou especialista no assunto e não há muitos pesquisadores nessa área”, destaca ela.

Foi assim que começaram a surgir ideias, projetos, colaborações e estudos. À época, Garcez estava vinculada à UFRJ, instituição pela qual publicou todos os artigos que serão citados ao longo da reportagem. Mais recentemente, ela assumiu um cargo de professora no King’s College, uma instituição acadêmica sediada em Londres, no Reino Unido.

Uma das inquietações de Garcez na relação entre zika e microcefalia envolvia a desproporção de casos em determinadas regiões.

“Até pouco antes da pandemia de covid-19, o Brasil concentrava cerca de 95% dos casos da síndrome congênita do zika (SCZ)”, calcula ela.

A SCZ é o termo usado pelos especialistas para descrever todas as alterações no feto em desenvolvimento que são provocadas pela infecção por este vírus — que incluem a microcefalia, além de alterações visuais, auditivas, motoras…

A biomédica destaca que uma pesquisa realizada na Flórida, nos Estados Unidos, estimou que 1% das grávidas infectadas pelo zika transmitiram o vírus para o feto, durante a gestação.

“No Brasil, essa taxa variou entre 3%, 13%, até 40%, a depender de como cada estudo foi feito”, compara ela.

E, mesmo dentro do país, há diferenças importantes de acordo com a localidade dos casos.

Um estudo feito pela Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz) Bahia e outras instituições destaca que, entre setembro de 2015 e abril de 2016, o Brasil teve 41.473 casos prováveis de zika entre gestantes.

A maioria dessas infecções aconteceu no Sudeste (44,6% do total), seguido por Nordeste (26,8%), Sul (26,8%), Centro-Oeste (12,7%) e Norte (11%).

No entanto, dos 1.950 casos de microcefalia relacionados à infecção identificados nesse período em todo o Brasil, 70,4% dos quadros de SCZ aconteceram no Nordeste.

“O que explica uma assimetria tão grande? Por que algumas pessoas são mais atingidas que outras?”, pergunta Garcez.

O grupo de pesquisadores do qual ela faz parte começou a encontrar algumas respostas para essas questões — e, embora ainda restem muitas dúvidas pelo caminho, eles já descobriram que a desnutrição, algumas toxinas presentes na água e certos agrotóxicos ajudam a entender o que aconteceu no Brasil durante o surto de zika.

Falta proteína no prato

Uma das primeiras hipóteses que a biomédica resolveu investigar envolvia a nutrição materna. Será que a qualidade da dieta da gestante poderia ter alguma influência no desenvolvimento de uma microcefalia no bebê?

“Fizemos parcerias com epidemiologistas, que foram às regiões com mais casos de microcefalia e identificaram quadros de desnutrição severa, acima da média, entre muitas dessas mulheres”, explica Garcez.

Com base nesse dado, o grupo resolveu avaliar se a falta de proteínas na alimentação da gestante poderia de alguma maneira contribuir para que o zika conseguisse invadir a placenta e causar estragos no cérebro em desenvolvimento do feto.

Os cientistas focaram no grupo das proteínas, que inclui carnes, ovos, lácteos, entre outros, porque esses alimentos são geralmente os mais caros da cesta básica — e, por essa razão, são menos consumidos por famílias que enfrentam dificuldades econômicas.

As autoridades de saúde estabelecem que uma gestante deve comer entre 60 e 100 gramas de proteína por dia.

“E essa é uma meta que pode ser atingida facilmente se a pessoa tem uma dieta normal, sem restrições financeiras”, observa Garcez.

Para testar essa hipótese, os especialistas restringiram a dieta de camundongos gestantes no laboratório, que passaram a ter acesso a menos proteínas do que o indicado e também foram infectados com o zika.

Os resultados mostram que essa combinação (restrição de proteínas + infecção por zika) levou a alterações severas na estrutura da placenta e no crescimento do embrião. Os ratinhos que nasceram apresentavam uma menor formação de neurônios e um cérebro de tamanho reduzido — ou seja, um quadro similar à SCZ.

O mesmo não aconteceu com os camundongos gestantes que só comeram menos proteínas ou aqueles que foram apenas infectados com o zika. Isso sugere que a junção dos dois fatores ajuda a entender parte desse cenário.

“Suspeitamos que a desnutrição materna pode causar uma supressão do sistema imune, de modo que o vírus consegue atravessar a placenta e causar danos”, sugere a biomédica.

Quando o zika ultrapassa a barreira placentária — especialmente nos primeiros meses de gestação, quando a formação do cérebro está nas etapas iniciais — o estrago é quase certo.

“O zika tem uma capacidade notável de infectar as células-tronco neurais, que são as ‘mães’ de todos os neurônios e formam o Sistema Nervoso Central”, ensina a biomédica.

Seca e cianobactérias

Durante as pesquisas, Garcez conversou com o biólogo Renato Molica, especialista em cianobactérias, um tipo de micro-organismo que vive na água e obtém energia por meio da fotossíntese.

“Ele me contou que havia uma espécie de cianobactéria presente em reservatórios de água, especialmente em regiões de muita seca, que produz uma substância neurotóxica, com capacidade de afetar o cérebro”, lembra ela.

A cianobactéria em questão é a Raphidiopsis raciborskii, que fabrica uma substância chamada saxitoxina.

Vale lembrar que, a partir de 2012, poucos anos antes da chegada do zika ao Brasil, a região Nordeste enfrentou uma das piores secas de sua história. Os mais afetados precisaram recorrer às águas de reservatórios, que muitas vezes acumulam esses micro-organismos.

Será que uma coisa tinha a ver com a outra? O consumo da saxitoxina poderia de alguma maneira “turbinar” os efeitos do zika no cérebro do bebê em formação?

Os experimentos do grupo de Garcez mostraram que sim: o contato com a substância neurotóxica dobrou a quantidade de células neurais mortas pelo zika em testes com organoides, ou “minicérebros” cultivados em laboratório.

“Também colocamos essa cianobactéria na água consumida por camundongos gestantes, cujos fetos ficaram mais suscetíveis à SCZ”, descreve Garcez.

“Essa toxina já causa um certo desarranjo nas células-tronco neurais. Mas, junto com o zika, esse efeito fica muito pior”, complementa ela.

Essa observação acrescentou mais uma evidência que ajuda a entender a discrepância nos números de microcefalia por região. Mas havia outras dúvidas e descobertas pela frente.

Ação dos agrotóxicos

Garcez lembra que o Centro-Oeste também apresentou números mais elevados de microcefalia durante o surto de 2015 e 2016.

Um boletim epidemiológico publicado pelo Ministério da Saúde em setembro de 2022 aponta que essa foi a segunda região mais afetada pela SCZ.

“E lá a condição socioeconômica é mais elevada que a do Nordeste e não houve aquela questão da seca”, observa a cientista.

“Mas sabemos que essa é uma região que usa grandes quantidades de agrotóxicos e herbicidas, por ter muitas terras dedicadas à agricultura”, complementa ela.

Para avaliar se essas substâncias usadas nas plantações poderiam ter alguma influência nesses casos, o grupo de Garcez fez um mapa dos agrotóxicos mais aplicados no país.

“Depois dessa triagem inicial, encontramos o 2,4-D, um herbicida muito usado no Centro-Oeste”, destaca a biomédica.

Ao fazer os testes em laboratório, os pesquisadores viram aquele mesmo efeito sinérgico observado com a desnutrição e as toxinas das cianobactérias: os camundongos gestantes que foram infectados com zika e tomaram água com 2,4-D tinham maior risco de gerar descendentes com problemas no desenvolvimento cerebral.

“E as quantidades de 2,4-D que foram usadas no estudo estavam dentro do considerado aceitável”, destaca Garcez.

Vale destacar que esse último estudo ainda não foi publicado em revistas acadêmicas, algo que deve acontecer nos próximos meses. Essa etapa é fundamental para que o experimento seja revisado por especialistas independentes.

Quem é o verdadeiro culpado

Garcez lembra que, apesar da importância de conhecer todos os cofatores que ampliam a susceptibilidade à microcefalia, é preciso estabelecer as prioridades e os focos.

“O zika é o grande vilão dessa história”, lembra ela.

A pesquisadora também conta que algumas suspeitas não se comprovaram nas pesquisas.

“Nós testamos o herbicida glifosato, por exemplo, mas não observamos qualquer sinergia com o zika”, cita ela.

A biomédica acrescenta que algumas pesquisas feitas por outros grupos sugerem que infecções prévias por dengue podem alterar o risco de transmissão vertical do zika (da gestante para o feto em formação), embora esse tema ainda seja controverso.

“Outro ponto explorado é a questão do aborto. Sabemos que mulheres de algumas regiões do país têm maior acesso ao procedimento, mesmo que ele não esteja legalizado no Brasil nesses casos”, acrescenta Garcez.

Ou seja: pode ser que algumas gestantes que tiveram zika e receberam o diagnóstico de SCZ no bebê em desenvolvimento tenham optado por não seguir com a gravidez adiante.

“E isso pode confundir e mascarar um pouco esse mapa da SCZ”, diz ela.

Por fim, a biomédica destaca que ainda há muito a se descobrir sobre o zika e os “bolsões de microcefalia”.

“Nós precisamos entender melhor por que algumas mulheres têm mais propensão a transmitir o zika para o feto. Será que há alguma característica do vírus ou da genética das pacientes que aumente o risco de SCZ?”, questiona a especialista.

“Também precisamos conhecer quais são as consequências da síndrome congênita a longo prazo. Como esses pacientes que tiveram o cérebro afetado pelo zika vão se desenvolver? Como elas estarão na fase adulta? Eles conseguirão ser independentes ou estudar?”, complementa ela.

Encontrar essas respostas é importante não apenas para passar a limpo o surto de zika que ocorreu há quase uma década — mas também para lidar com as futuras crises relacionadas a esse vírus.

“O surto pode acontecer de novo, pois o zika continua a circular e o mosquito Aedes aegypti está sempre por aí. Além disso, as novas gerações não estarão imunes a essa infecção”, conclui ela.

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