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Testemunhas de duplo homicídio em Águas Claras relatam manhã de terror

Homem de 39 anos foi preso em flagrante na quarta-feira (24/2), depois de atacar a família no apartamento em que morava. De acordo com a polícia, casal veio de Goiânia para internar o filho, que teria transtornos psiquiátricos. Ele foi indiciado pelos crimes

(crédito: Ed Alves/CB/D.A Press )

No dia em que seria internado pela família para tratar do quadro de esquizofrenia, Marcelo Ribeiro Gonçalves Ferreira, de 39 anos atacou os pais, Leila Ribeiro, de 71 anos, e Rubem Luiz, de 73, e a irmã, de 53, com uma faca. O casal não resistiu aos ferimentos e morreu. Já a irmã, atingida na costela, conseguiu se desvencilhar e fugir. O crime ocorreu na quarta-feira (24/2), em um edifício em Águas Claras. De acordo com a polícia e com relatos de vizinhos, o autor do ataque estaria em surto.

A irmã de Marcelo está internada no Hospital de Águas Claras, onde deu entrada com taquicardia e sangramento no tórax. A equipe médica fez um curativo na área da perfuração e a paciente não precisou passar por cirurgia. Ela segue internada em observação.

O homem foi levado para o Hospital Regional de Taguatinga (HRT), onde trata da condição psicológica. Preso em flagrante, ele será encaminhado à Delegacia de Polícia Especializada (DPE) quando receber alta. Segundo a delegada Laryssa Neves, da 21ª Delegacia de Polícia (Taguatinga Sul), Marcelo foi indiciado por duplo homicídio e tentativa de assassinato.

Gritos e medo

O caso chocou os moradores e funcionários do prédio, além de comerciantes da região. A Polícia Militar do DF foi chamada para atender a uma denúncia de violência doméstica. Mas, chegando ao local, o cenário era outro. “Parecia uma cena de filme mesmo. A casa toda revirada, o ambiente era pequeno. É bem chocante”, afirmou Laryssa Neves. “Ele estava em ataque, não dá para precisar se queria matar, estava em crise, provavelmente, até agora ele não deve ter entendido o que aconteceu.”

Testemunhas narram que o momento das mortes foi precedido por pedidos de socorro, desespero e pânico. “Eu estava no elevador quando ouvi os gritos. Não sabia o que estava havendo, mas corri para a portaria a fim de pedir ajuda”, contou uma moradora.

Os chamados também foram ouvidos por outra vizinha, a comerciante Creisiane Konrad, 44. Ela estava no elevador. Quando as portas se abriram no segundo andar, ela não viu nada, mas escutou o barulho. “Só ouvia ‘socorro’. Foi um desespero. Você imagina tudo, mas imaginar que o filho vai matar pai e mãe é meio complicado”, descreveu. Ela desceu até o térreo e alertou os funcionários de que algo errado estava acontecendo.

Enquanto Creisiane ligava para a polícia, a irmã de Marcelo chegou à portaria. Com a lateral do corpo sangrando, ela alertou que o irmão iria matar os pais e pediu ajuda. O porteiro subiu ao pavimento e encontrou a mãe no corredor e as paredes ensaguentadas. O pai estava desfalecido perto da janela, e o autor das facadas, deitado no sofá, aguardando a chegada da polícia.

Para os policiais, a mulher tentou escapar e não conseguiu. Enquanto isso, embaixo do prédio, o cunhado de Marcelo chegou para resgatar a esposa. Foi ele quem a levou para o hospital. Quinze minutos depois, a Polícia Militar chegou ao prédio. O pai ainda tinha a faca cravada no pescoço.

A irmã do autor foi vista correndo, ensanguentada, pelos corredores, por outros moradores. “Logo ela chegou coberta de sangue na portaria. Todos ficamos com medo, pois ainda não sabíamos que ele havia sido detido. Muita gente preferiu ficar dentro dos seus apartamentos, trancados”, lembrou uma testemunha.

Histórico

Marcelo morava no edifício há cerca de seis meses, e, até terça-feira (23/2), não havia registros de qualquer conflito. “Ele era bem reservado, mas nunca tinha tido problema nenhum”, disse o encarregado Felipe Silva.

Uma outra moradora contou ao Correio, sob a condição de anonimato, que o rapaz tinha perfil discreto. “Ele era muito quieto, nem cumprimentava dentro do elevador”, relatou. Vizinhos também dizem que o autor não era visto nas reuniões de condomínio e eventos coletivos do residencial.

Mas, na terça-feira (23/2), uma outra situação chamou a atenção dos servidores do edifício. Pela manhã, o rapaz subiu e desceu as escadas várias vezes e depois saiu correndo pela rua. Ele passou mal e caiu no chão em frente a um supermercado, se debatendo. A enfermeira Lana Figueiredo, que estacionava o carro no local, o socorreu.

Minha bolsa arrebentou, mas fiz um juramento e tenho que ajudar. Ele estava se debatendo, associei aquilo a uma crise convulsiva, o coloquei de lado, levantei a cabeça para poder oxigenar o cérebro. Quando vi a pulsação e que ele não respondia, fiz massagem cardíaca e ele começou a ficar sinótico, com a boca roxa, quadro de parada cardíaca”, detalhou. Várias transeuntes se aglomeraram em volta do rapaz para verificar como ele estava.

Diante disso, a família foi avisada, e os pais, que moravam em Goiânia, vieram prestar assistência ao filho, na intenção de interná-lo no dia seguinte. Lana chegou a conversar com o pai dele. “Falei por telefone com o pai, que disse que ele era esquizofrênico e tomava medicamento. Mas a dose era de 10 mg, muito baixa para quem tinha um quadro como o dele”, ponderou.

A delegada do caso informou que Marcelo não estava tomando a medicação quando teve a crise. Laryssa Neves acrescentou que ele tem um histórico de surtos, mas nenhum relacionado a episódios de violência. Aos 18 anos, chegou a ser internado no Rio de Janeiro — onde os pais moravam à época. Ele, aliás, decidiu ficar em Brasília quando os pais se mudaram para Goiânia. A irmã que estava no momento do crime também mora no DF. O casal tem mais dois filhos, residentes na capital goiana.

Memória

Relembre casos de homicídios cometidos por pessoas em crise

12 de março de 2010
O cartunista Glauco Villas Boas, 53 anos, e o filho Raoni, 25, foram mortos a tiros por Carlos Eduardo Sundfeld Nunes, no sítio onde o cartunista e a família moravam, em Osasco (SP). Nunes chegou ao local a fim de sequestrar Glauco. Armado com uma pistola, o agressor afirmava que queria levar o artista e a família até sua residência para que o desenhista confirmasse à mãe dele que Nunes era Jesus Cristo. À época, o comerciante Carlos Grecchi Nunes, pai do autor dos assassinatos, disse que o filho sofria de esquizofrenia — doença que também acometia a mãe do rapaz. Nunes conhecia Glauco por conta de encontros religiosos na igreja Céu de Maria, fundada pelo cartunista. As cerimônias religiosas eram realizadas no sítio de Glauco aos fins de semana e incluíam o uso do chá de Santo Daime que, em si, não aparenta causar reação agressiva, podendo, contudo, resultar em efeitos distintos em pessoas que sofrem com distúrbios psicológicos.

2 de fevereiro de 2014
O cineasta Eduardo Coutinho (foto), de 81 anos, foi assassinado a facadas dentro de casa, no Rio de Janeiro, pelo filho, Daniel Coutinho, que sofre de esquizofrenia. O rapaz também foi o responsável por esfaquear a mãe. Em seguida, tentou se matar. Em abril de 2015, Daniel foi absolvido sumariamente e considerado réu inimputável, sendo submetido à medida de segurança de internação em estabelecimento para portadores de doença mental. Com mais de quatro décadas de carreira, Eduardo Coutinho foi um dos principais diretores brasileiros. Ele comandou filmes como As canções (2011), Santo forte (1999) e Cabra marcado para morrer (1985), projeto de ficção interrompido pela ditadura militar, retomado 20 anos depois.

30 de outubro de 2019
Uma menina de 5 anos foi assassinada a facadas em Betim, região metropolitana de Belo Horizonte (MG). Ela estava a caminho da escola, acompanhada de uma cuidadora e do irmão, de 7 anos, quando foi atacada por um homem em surto de esquizofrenia. O crime ocorreu na Rua Perdões, perto de uma instituição de ensino, por volta das 7h. O rapaz não tinha relação com a garota assassinada. Ao todo, a criança levou quatro golpes, sendo um nas costas e outros três no tórax. Segundo a família, o jovem fazia tratamento psiquiátrico para esquizofrenia e tomava medicação controlada.

Violência em surtos é rara, dizem médicos

Preso em flagrante, homem de 39 anos foi levado ao Hospital Regional de Taguatinga (HRT) -  (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)

crédito: Ed Alves/CB/D.A Press.

Fábio Aurélio Leite, médico psiquiatra do Hospital Santa Lúcia Norte e membro titular da Sociedade Brasileira de Psiquiatria, explica que pacientes esquizofrênicos não costumam ser agressivos. “Esse foi um caso de exceção. Há diversos esquizofrênicos com a vida absolutamente próxima à normalidade, desde que tratados de forma adequada. É importante destacar isso para que as pessoas não tenham preconceito e achem que, por ser esquizofrênica, a pessoa é homicida ou perigosa. Foi uma fatalidade”, lamentou o médico.

O psiquiatra chamou a atenção para a necessidade de acompanhamento adequado. “O tratamento, hoje, envolve um arsenal terapêutico bem rico, com medicamentos com baixos efeitos colaterais e alta tolerabilidade”, avaliou. “Infelizmente, via de regra, são medicamentos de custo elevado. Alguns são disponibilizados pelo governo e outros não”, contrapôs.

“Uma das questões mais importantes é a recaída. Ficar sem tomar o remédio é muito perigoso, porque pode levar a surtos, inclusive com desfechos trágicos, como esse caso de Águas Claras. Hoje, temos medicamentos injetáveis e com liberação controlada, tomados a cada mês ou com intervalos maiores, não havendo risco de interromper o uso, porque, com o comprimido, pode não haver a admissão correta, alguns pacientes, por exemplo, às vezes fingem que tomaram o remédio. Os injetáveis, então, fazem com que a pessoa mantenha boa adesão ao medicamento, sem risco de interrupção”, completou Fábio Aurélio Leite.

Anibal Okamoto Jr, médico psiquiatra pela Universidade de Brasília (UnB), afirma que, para uma pessoa que tem um surto psicótico chegar nesse ponto de violência, o comprometimento comportamental é grave. “É difícil saber os detalhes do episódio sem avaliar o paciente ou o histórico médico. Mas, geralmente, uma pessoa em surto psicótico tem delírio e/ou alucinações. Ela pode escutar vozes que falam pra ela matar, achar que os pais estão a ameaçando, concluir que os pais foram trocados por pessoas desconhecidas, etc. Esses delírios fazem com que o paciente se descole da realidade”, detalhou.

Segundo o especialista, provavelmente, o rapaz não estava tomando os remédios de forma correta, o que teria agravado o quadro. “Quando a pessoa não toma as medicações, o delírio pode voltar e o paciente pode achar que tem alguém o perseguindo, pensar que todas as pessoas ao redor estão contra ele e até mesmo achar que o remédio é veneno e acabar não ingerindo a medicação. Por isso, esses pacientes precisam sempre procurar ajuda especializada como psicólogos e psiquiatras para que possam realizar o tratamento de forma eficaz para evitar as recaídas e os novos surtos”, frisou.

O médico dá dicas sobre como proceder em casos como esse. De acordo com o psiquiatra, no caso das vítimas, é importante que elas não confrontem o paciente. Caso contrário, pode haver o agravamento da situação. “Outro ponto fundamental é garantir a própria segurança. Chame um vizinho, chame a polícia, chame alguém que possa te auxiliar e até mesmo saia do ambiente. Se o paciente estiver armado, por exemplo, priorize sua própria segurança. Caso a situação esteja um pouco controlada, tente conversar com a pessoa de forma calma e tranquila enquanto procura ajuda profissional”, orientou.

 

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Principais restrições do calendário eleitoral começam em julho

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Primeiro turno das eleições municipais será no dia 6 de outubro

 

Marcelo Camargo/Agência Brasil

A partir deste mês, começam a valer as principais restrições previstas no calendário eleitoral para impedir o uso da máquina pública a favor de candidatos às eleições municipais de outubro. As vedações estão previstas na Lei das Eleições (Lei 9.504/1997).

No dia 6 de julho, três meses antes do pleito, começam as restrições para contratação e demissão de servidores públicos. A partir do dia 20, os partidos podem realizar suas convenções internas para a escolha dos candidatos aos cargos de prefeito, vice-prefeito e vereadores.

O primeiro turno das eleições será no dia 6 de outubro. O segundo turno da disputa poderá ser realizado em 27 de outubro nos municípios com mais de 200 mil eleitores, nos quais nenhum dos candidatos à prefeitura atingiu mais da metade dos votos válidos, excluídos os brancos e nulos, no primeiro turno.

Confira as principais restrições

6 de julho 

Nomeação de servidores – a partir do próximo sábado (6), três meses antes do pleito, os agentes públicos não podem nomear, contratar e demitir por justa causa servidores públicos. A lei abre exceção para nomeação e exoneração de pessoas que exercem função comissionada e a contratação de natureza emergencial para garantir o funcionamento de serviços públicos essenciais.

Concursos  – A nomeação de servidores só pode ocorrer se o resultado do concurso foi homologado até 6 de julho.

Verbas  – Os agentes públicos também estão proibidos de fazer transferência voluntária de recursos do governo federal aos estados e municípios. O dinheiro só pode ser enviado para obras que já estão em andamento ou para atender situações de calamidade pública.

Publicidade estatal – A autorização para realização de publicidade institucional de programas de governo também está proibida. Pronunciamentos oficiais em cadeia de rádio e televisão e a divulgação de nomes de candidatos em sites oficiais também estão vedados e só podem ocorrer com autorização da Justiça Eleitoral.

Inauguração de obras – Também fica proibida a participação de candidatos em inaugurações de obras públicas.

20 de julho

Convenções – A partir do dia 20 de julho, os partidos políticos e as federações poderão escolher seus candidatos para os cargos de prefeito, vice-prefeito e vereador. O prazo para realização das convenções termina em 5 de agosto.

Gastos de campanha – Na mesma data, o TSE divulgará o limite de gastos de campanha para os cargos que estarão em disputa.

Direito de resposta – Também começa a valer a possiblidade de candidatos e partidos pedirem direito de resposta contra reportagens, comentários e postagens que considerarem ofensivas na imprensa e nas redes sociais.

 

Agência Brasil

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Ex-diretores da Americanas alvos da PF entram na lista da Interpol

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Dois investigados encontram-se foragidos no exterior

 

Tânia Rêgo/Agência Brasil
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Os dois ex-diretores do grupo Americanas investigados pela Operação Disclosure da Polícia Federal (PF) foram incluídos na lista de Difusão Vermelha da Interpol, a polícia internacional. Segundo a PF, os dois alvos de prisão preventiva encontram-se foragidos no exterior.

Com a inclusão dos nomes, as polícias de outros países sabem que eles são procurados no Brasil e podem prendê-los, se decidirem por isso.

Os ex-diretores, cujos nomes não foram divulgados pela PF, são acusados de participação em fraudes contábeis que chegam a R$ 25,3 bilhões, segundo a Polícia Federal (PF). Além dos mandados de prisão preventiva, os agentes cumprem nesta quinta-feira (27), 15 mandados de busca e apreensão e o sequestro de bens e valores autorizados pela Justiça, que somam mais de R$ 500 milhões.

As investigações, que contaram com a colaboração da atual diretoria do grupo Americanas, também tiveram a participação do Ministério Público Federal (MPF) e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

De acordo com a PF, os alvos da operação praticaram fraudes contábeis relacionadas a operações de risco sacado, que consiste numa operação na qual a varejista consegue antecipar o pagamento a fornecedores por meio de empréstimo junto aos bancos.

“Também foram identificadas fraudes envolvendo contratos de verba de propaganda cooperada (VPC), que consistem em incentivos comerciais que geralmente são utilizados no setor, mas no presente caso eram contabilizadas VPCs que nunca existiram”, informou a PF, por meio de nota, divulgada no início da manhã.

Também por meio de nota, o grupo Americanas informou que reitera sua confiança nas autoridades que investigam o caso “e reforça que foi vítima de uma fraude de resultados pela sua antiga diretoria”. De acordo com a empresa os ex-diretores manipularam, de forma intencional, os controles internos existentes. “A Americanas acredita na Justiça e aguarda a conclusão das investigações para responsabilizar judicialmente todos os envolvidos”.

MPF

Segundo o Ministério Público Federal (MPF), foi formalizado um acordo de colaboração premiada com dirigentes da empresa que manifestaram interesse em colaborar com as investigações. Além disso, houve intensa cooperação com um comitê externo constituído pela empresa para apurar as fraudes.

Ainda de acordo com o órgão,  foram ouvidos colaboradores, investigados, realizadas perícias e análises em materiais fornecidos pela empresa e pelos colaboradores.

Em junho de 2023, segundo o MPF, a empresa comunicou oficialmente ao mercado que encontrou inconsistências nas demonstrações financeiras, reforçando a existência da fraude contábil.

*Matéria alterada às 13h18min para acréscimo de informações.

Agência Brasil

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Como desnutrição, toxinas na água e agrotóxicos criaram ‘bolsões de microcefalia’ no Brasil

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Pesquisadora dedicou a última década de sua carreira a entender por que algumas regiões brasileiras — como o Nordeste e o Centro-Oeste — tiveram uma maior frequência de casos de microcefalia em bebês cujas mães foram infectadas pelo vírus zika durante a gestação.

A biomédica Patrícia Garcez se encaixa na rara categoria de pessoas que estavam no lugar certo, na hora certa.

Durante sua formação acadêmica, realizada em grande parte na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ela decidiu entender a fundo uma malformação que até então era muito rara e pouco conhecida: a microcefalia, marcada pelo desenvolvimento inadequado do cérebro durante a gestação.

“Lembro de conversar com uma amiga que trabalha com marketing e, ao explicar o que eu pesquisava, ela me perguntou: ‘Por que você estuda isso, se é algo tão raro? Não seria melhor focar em algo que seja mais comum e que afeta mais pessoas?'”, lembra Garcez.

“Mas isso nunca foi uma questão para mim. Na minha mente de formação biológica, o fato de a condição ser rara não significa que eu vou negligenciá-la ou ignorá-la”, complementa a pesquisadora.

Logicamente, essa conversa com a amiga aconteceu antes de 2015. Naquele ano, o zika, um vírus pouco conhecido, desembarcou no Brasil e foi inicialmente caracterizado como um “primo-irmão” da dengue, transmitido pelo mesmo Aedes aegypti e responsável por sintomas mais leves.

Mas a realidade mostrou-se muito mais complexa. Em maternidades espalhadas pelo país, os médicos começaram a notar um aumento anormal de casos de microcefalia — justamente a condição estudada por Garcez.

As suspeitas de que o zika poderia estar por trás do fenômeno logo se confirmaram, graças a uma série de pesquisas publicadas por cientistas brasileiros (incluindo ela própria) ao longo de 2015 e 2016.

“Quando começou o boom de microcefalia, eu não conseguia dormir… Lia tudo o que saía na imprensa e pensava em como poderia contribuir, já que sou especialista no assunto e não há muitos pesquisadores nessa área”, destaca ela.

Foi assim que começaram a surgir ideias, projetos, colaborações e estudos. À época, Garcez estava vinculada à UFRJ, instituição pela qual publicou todos os artigos que serão citados ao longo da reportagem. Mais recentemente, ela assumiu um cargo de professora no King’s College, uma instituição acadêmica sediada em Londres, no Reino Unido.

Uma das inquietações de Garcez na relação entre zika e microcefalia envolvia a desproporção de casos em determinadas regiões.

“Até pouco antes da pandemia de covid-19, o Brasil concentrava cerca de 95% dos casos da síndrome congênita do zika (SCZ)”, calcula ela.

A SCZ é o termo usado pelos especialistas para descrever todas as alterações no feto em desenvolvimento que são provocadas pela infecção por este vírus — que incluem a microcefalia, além de alterações visuais, auditivas, motoras…

A biomédica destaca que uma pesquisa realizada na Flórida, nos Estados Unidos, estimou que 1% das grávidas infectadas pelo zika transmitiram o vírus para o feto, durante a gestação.

“No Brasil, essa taxa variou entre 3%, 13%, até 40%, a depender de como cada estudo foi feito”, compara ela.

E, mesmo dentro do país, há diferenças importantes de acordo com a localidade dos casos.

Um estudo feito pela Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz) Bahia e outras instituições destaca que, entre setembro de 2015 e abril de 2016, o Brasil teve 41.473 casos prováveis de zika entre gestantes.

A maioria dessas infecções aconteceu no Sudeste (44,6% do total), seguido por Nordeste (26,8%), Sul (26,8%), Centro-Oeste (12,7%) e Norte (11%).

No entanto, dos 1.950 casos de microcefalia relacionados à infecção identificados nesse período em todo o Brasil, 70,4% dos quadros de SCZ aconteceram no Nordeste.

“O que explica uma assimetria tão grande? Por que algumas pessoas são mais atingidas que outras?”, pergunta Garcez.

O grupo de pesquisadores do qual ela faz parte começou a encontrar algumas respostas para essas questões — e, embora ainda restem muitas dúvidas pelo caminho, eles já descobriram que a desnutrição, algumas toxinas presentes na água e certos agrotóxicos ajudam a entender o que aconteceu no Brasil durante o surto de zika.

Falta proteína no prato

Uma das primeiras hipóteses que a biomédica resolveu investigar envolvia a nutrição materna. Será que a qualidade da dieta da gestante poderia ter alguma influência no desenvolvimento de uma microcefalia no bebê?

“Fizemos parcerias com epidemiologistas, que foram às regiões com mais casos de microcefalia e identificaram quadros de desnutrição severa, acima da média, entre muitas dessas mulheres”, explica Garcez.

Com base nesse dado, o grupo resolveu avaliar se a falta de proteínas na alimentação da gestante poderia de alguma maneira contribuir para que o zika conseguisse invadir a placenta e causar estragos no cérebro em desenvolvimento do feto.

Os cientistas focaram no grupo das proteínas, que inclui carnes, ovos, lácteos, entre outros, porque esses alimentos são geralmente os mais caros da cesta básica — e, por essa razão, são menos consumidos por famílias que enfrentam dificuldades econômicas.

As autoridades de saúde estabelecem que uma gestante deve comer entre 60 e 100 gramas de proteína por dia.

“E essa é uma meta que pode ser atingida facilmente se a pessoa tem uma dieta normal, sem restrições financeiras”, observa Garcez.

Para testar essa hipótese, os especialistas restringiram a dieta de camundongos gestantes no laboratório, que passaram a ter acesso a menos proteínas do que o indicado e também foram infectados com o zika.

Os resultados mostram que essa combinação (restrição de proteínas + infecção por zika) levou a alterações severas na estrutura da placenta e no crescimento do embrião. Os ratinhos que nasceram apresentavam uma menor formação de neurônios e um cérebro de tamanho reduzido — ou seja, um quadro similar à SCZ.

O mesmo não aconteceu com os camundongos gestantes que só comeram menos proteínas ou aqueles que foram apenas infectados com o zika. Isso sugere que a junção dos dois fatores ajuda a entender parte desse cenário.

“Suspeitamos que a desnutrição materna pode causar uma supressão do sistema imune, de modo que o vírus consegue atravessar a placenta e causar danos”, sugere a biomédica.

Quando o zika ultrapassa a barreira placentária — especialmente nos primeiros meses de gestação, quando a formação do cérebro está nas etapas iniciais — o estrago é quase certo.

“O zika tem uma capacidade notável de infectar as células-tronco neurais, que são as ‘mães’ de todos os neurônios e formam o Sistema Nervoso Central”, ensina a biomédica.

Seca e cianobactérias

Durante as pesquisas, Garcez conversou com o biólogo Renato Molica, especialista em cianobactérias, um tipo de micro-organismo que vive na água e obtém energia por meio da fotossíntese.

“Ele me contou que havia uma espécie de cianobactéria presente em reservatórios de água, especialmente em regiões de muita seca, que produz uma substância neurotóxica, com capacidade de afetar o cérebro”, lembra ela.

A cianobactéria em questão é a Raphidiopsis raciborskii, que fabrica uma substância chamada saxitoxina.

Vale lembrar que, a partir de 2012, poucos anos antes da chegada do zika ao Brasil, a região Nordeste enfrentou uma das piores secas de sua história. Os mais afetados precisaram recorrer às águas de reservatórios, que muitas vezes acumulam esses micro-organismos.

Será que uma coisa tinha a ver com a outra? O consumo da saxitoxina poderia de alguma maneira “turbinar” os efeitos do zika no cérebro do bebê em formação?

Os experimentos do grupo de Garcez mostraram que sim: o contato com a substância neurotóxica dobrou a quantidade de células neurais mortas pelo zika em testes com organoides, ou “minicérebros” cultivados em laboratório.

“Também colocamos essa cianobactéria na água consumida por camundongos gestantes, cujos fetos ficaram mais suscetíveis à SCZ”, descreve Garcez.

“Essa toxina já causa um certo desarranjo nas células-tronco neurais. Mas, junto com o zika, esse efeito fica muito pior”, complementa ela.

Essa observação acrescentou mais uma evidência que ajuda a entender a discrepância nos números de microcefalia por região. Mas havia outras dúvidas e descobertas pela frente.

Ação dos agrotóxicos

Garcez lembra que o Centro-Oeste também apresentou números mais elevados de microcefalia durante o surto de 2015 e 2016.

Um boletim epidemiológico publicado pelo Ministério da Saúde em setembro de 2022 aponta que essa foi a segunda região mais afetada pela SCZ.

“E lá a condição socioeconômica é mais elevada que a do Nordeste e não houve aquela questão da seca”, observa a cientista.

“Mas sabemos que essa é uma região que usa grandes quantidades de agrotóxicos e herbicidas, por ter muitas terras dedicadas à agricultura”, complementa ela.

Para avaliar se essas substâncias usadas nas plantações poderiam ter alguma influência nesses casos, o grupo de Garcez fez um mapa dos agrotóxicos mais aplicados no país.

“Depois dessa triagem inicial, encontramos o 2,4-D, um herbicida muito usado no Centro-Oeste”, destaca a biomédica.

Ao fazer os testes em laboratório, os pesquisadores viram aquele mesmo efeito sinérgico observado com a desnutrição e as toxinas das cianobactérias: os camundongos gestantes que foram infectados com zika e tomaram água com 2,4-D tinham maior risco de gerar descendentes com problemas no desenvolvimento cerebral.

“E as quantidades de 2,4-D que foram usadas no estudo estavam dentro do considerado aceitável”, destaca Garcez.

Vale destacar que esse último estudo ainda não foi publicado em revistas acadêmicas, algo que deve acontecer nos próximos meses. Essa etapa é fundamental para que o experimento seja revisado por especialistas independentes.

Quem é o verdadeiro culpado

Garcez lembra que, apesar da importância de conhecer todos os cofatores que ampliam a susceptibilidade à microcefalia, é preciso estabelecer as prioridades e os focos.

“O zika é o grande vilão dessa história”, lembra ela.

A pesquisadora também conta que algumas suspeitas não se comprovaram nas pesquisas.

“Nós testamos o herbicida glifosato, por exemplo, mas não observamos qualquer sinergia com o zika”, cita ela.

A biomédica acrescenta que algumas pesquisas feitas por outros grupos sugerem que infecções prévias por dengue podem alterar o risco de transmissão vertical do zika (da gestante para o feto em formação), embora esse tema ainda seja controverso.

“Outro ponto explorado é a questão do aborto. Sabemos que mulheres de algumas regiões do país têm maior acesso ao procedimento, mesmo que ele não esteja legalizado no Brasil nesses casos”, acrescenta Garcez.

Ou seja: pode ser que algumas gestantes que tiveram zika e receberam o diagnóstico de SCZ no bebê em desenvolvimento tenham optado por não seguir com a gravidez adiante.

“E isso pode confundir e mascarar um pouco esse mapa da SCZ”, diz ela.

Por fim, a biomédica destaca que ainda há muito a se descobrir sobre o zika e os “bolsões de microcefalia”.

“Nós precisamos entender melhor por que algumas mulheres têm mais propensão a transmitir o zika para o feto. Será que há alguma característica do vírus ou da genética das pacientes que aumente o risco de SCZ?”, questiona a especialista.

“Também precisamos conhecer quais são as consequências da síndrome congênita a longo prazo. Como esses pacientes que tiveram o cérebro afetado pelo zika vão se desenvolver? Como elas estarão na fase adulta? Eles conseguirão ser independentes ou estudar?”, complementa ela.

Encontrar essas respostas é importante não apenas para passar a limpo o surto de zika que ocorreu há quase uma década — mas também para lidar com as futuras crises relacionadas a esse vírus.

“O surto pode acontecer de novo, pois o zika continua a circular e o mosquito Aedes aegypti está sempre por aí. Além disso, as novas gerações não estarão imunes a essa infecção”, conclui ela.

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