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Decisão de ministro do STF pode dificultar condenação no caso da 113 Sul

Por determinação do ministro Luís Roberto Barroso, juiz do Tribunal do Júri deverá informar, antes do julgamento de Adriana Villela, dia 23, que um dos laudos foi feito por peritos não oficiais

Adriana Villela será julgada pelos assassinatos dos pais e da empregada
(foto: Kleber Lima/CB/D.A Press)

Dez anos após o crime que chocou o Distrito Federal e ficou conhecido como caso da 113 Sul, a defesa da arquiteta Adriana Villela conseguiu uma vitória, ao ter o requerimento de habeas corpus parcialmente concedido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso. O pedido era pela anulação da sentença de pronúncia, que decide que existem indícios de um crime doloso contra a vida e define que o caso será julgado pelo tribunal do júri. O principal argumento dos advogados é a contradição entre dois laudos da Polícia Civil, um produzido pelo Instituto de Criminalística e outro, pelo Instituto de Identificação.
Mesmo com parecer favorável da Procuradoria Geral da República (PGR), assinado pela subprocuradora-geral Cláudia Sampaio Marques, Barroso não excluiu laudo do Instituto de Criminalística. Ele decidiu que, no dia do julgamento, em 23 de setembro, o juiz presidente do Tribunal do Júri deverá esclarecer ao Conselho de Sentença que um dos laudos do processo foi feito por sete técnicos papiloscopistas da Polícia Civil, que não são considerados peritos oficiais. “Com esse esclarecimento, caberá ao corpo de jurados avaliar o peso que deva merecer dentro do conjunto probatório”, escreveu Barroso.
Ainda assim, para o advogado de defesa, Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, a concessão em parte já atende à demanda. “É óbvio que isso é importante, porque o juiz vai ter que cumprir essa determinação do Supremo, que diz expressamente que aquilo não é de perito. Essa decisão é uma visão técnica que deveria ser do juiz togado, não do juiz de júri. Mas de qualquer maneira, já nos serve”, afirmou.
Especialistas em Direito se dividem quanto ao efeito prático da decisão do STF. Professor de Processo Penal da Universidade de São Paulo (USP), Gustavo Badaró acredita que pouca coisa muda. “Quando é o juiz quem profere a sentença, ele precisa fundamentá-la, mas os jurados não fundamentam”, explica. “O Supremo deveria ter mandado excluir a prova ou manter com pleno valor. Essa ressalva de informar os jurados, não muda em nada. Acredito que não faça grande diferença.”
Ele explica ainda o motivo do pedido dos advogados ter sido feito por habeas corpus. “Quando uma pessoa é ameaçada de sofrer prisão ilegal, a defesa pode entrar com o recurso.” Apesar do tempo decorrido desde as mortes, o caso está longe de prescrever. Crimes com penas maiores levam mais tempo. “No caso de homicídios, o prazo é de 20 anos a partir da data do fato. Quando a denúncia é recebida pelo juiz, esse tempo é reiniciado. O mesmo se repete quando o acusado é pronunciado”, destaca o professor.

Conjunto probatório

O documento questionado pela defesa foi feito por papiloscopistas do Instituto de Identificação da Polícia Civil e analisou digitais de Adriana Villela. Após análise temporal, concluiu que, ao contrário do que ela alegava, esteve na casa dos pais no dia do crime. Para a delegada Mabel de Farias, a decisão não interfere no resultado, uma vez que, apesar de papiloscopistas não serem peritos criminais, são peritos oficiais.
“O fato é que eles têm, pela lei orgânica, a atribuição para elaborar laudos. O que aconteceu ali foi uma irregularidade, do meu ponto de vista, do Instituto de Criminalística, que se manifestou sobre o que não é pertinente à atribuição deles”, declarou. “O resultado do julgamento eu não sei, mas que esse elemento possa macular a prova ou fragilizá-la, não vejo acontecer, até porque ela não é a única. É só uma em um conjunto probatório muito grande.”
Para o professor titular da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Nelson Massini, a crítica ao laudo é estranha. “A polícia científica é composta de três unidades: Médico Legal, Criminalística e Identificação. Ou seja, papiloscopistas são oficiais. O problema é a controvérsia criada entre eles”, critica. Na avaliação dele, sempre que há uma confusão de laudos, o resultado é a dificuldade na condenação.
Ele acredita que, com isso, haverá um grande embate durante o julgamento. “A condenação vai depender muito da capacidade do Ministério Público de argumentar, mas (a determinação do STF) é um banho de água fria sobre a prova”. Se condenada pelo triplo homicídio, a pena de Adriana Villela pode chegar a 90 anos.

Memória

» 2009

Agosto
» José Guilherme Villela, Maria Carvalho Mendes Villela e Francisca Nascimento da Silva são mortos a facadas no apartamento 601/602 do Bloco C da 113 Sul. O crime ocorre entre as 19h30 e as 20h30 de 28 de agosto. Três dias depois, a polícia é acionada e recolhe os corpos no apartamento, aberto por um chaveiro a pedido da neta dos Villela. O caso fica sob a responsabilidade da 1ª Delegacia de Polícia (Asa Sul).
Outubro
 A paranormal Rosa Maria Jaques, moradora de Porto Alegre, se apresenta na 1ª DP, com a “missão espiritual” de ajudar nas investigações. Ela teria indicado à delegada Martha Vargas a localização da casa dos assassinos.
Novembro
» Com base na ajuda da vidente, agentes chegam a um lote em Vicente Pires. Dirigem-se a uma quitinete ocupada por dois homens, que acabam presos. Segundo a polícia, no local, foi encontrada uma chave que abria a porta do imóvel dos Villela. O Instituto de Criminalística divulga laudo parcial com a dinâmica do triplo homicídio. Pelo menos dois criminosos atacaram as vítimas, que levaram ao todo 73 facadas.
» A Justiça manda o caso sair da responsabilidade da 1ª DP para a Coordenação de Investigação de Crimes Contra a Vida (Corvida). Mas a unidade especializada só assumiria oficialmente o caso em dezembro.
» O vizinho da dupla presa em Vicente Pires também é detido. Os três são mantidos na prisão por um mês como suspeitos do triplo homicídio, mas são liberados por falta de provas.

» 2010

Abril
» Adriana Villela, filha do casal assassinado, depõe na Corvida como suspeita do triplo assassinato. O Correio publica reportagem exclusiva mostrando que peritos da Polícia Civil comprovaram que a chave encontrada na casa de suspeitos em Vicente Pires havia sido fotografada no apartamento dos Villela no dia da primeira perícia. Por isso, o objeto é descartado como prova. No mesmo dia, Martha Vargas é exonerada da chefia da 1ª DP. Os três homens presos em novembro passado afirmam terem sido torturados por policiais daquela delegacia para confessar a participação no crime.
Agosto
» Cinco pessoas são presas, entre elas Adriana Villela e a paranormal Rosa Maria Jaques, sob a acusação de atrapalharem as investigações policiais e imputarem falsamente crime a terceiros. Depois de ter negado o habeas corpus a Adriana Villela em caráter liminar, a Justiça adia por mais uma semana o julgamento do mérito do pedido de soltura.
Setembro
» Adriana é denunciada à Justiça.
Outubro
» O Tribunal do Júri de Brasília aceita denúncia contra a arquiteta, acusada de triplo homicídio e furto.
Novembro
» A investigação toma novo rumo por conta da prisão do ex-porteiro do Bloco C da 113 Sul Leonardo Campos Alves, 44 anos, em Montalvânia (MG). Agentes da 8ª Delegacia de Polícia (SIA) descobriram o envolvimento dele graças a uma investigação paralela. O acusado confessa o crime, mas o depoimento aponta diversas inconsistências. A polícia confirma a participação de um comparsa de Leonardo. Paulo Cardoso Santana, 23 anos, preso preventivamente em Montalvânia desde 14 de julho de 2010 por latrocínio, também dá detalhes do crime. Mas o depoimento dele diverge do de Leonardo em vários pontos.
» Uma nova testemunha no caso conta à polícia que existe um mandante no triplo homicídio. Ele garante ter sido procurado por Leonardo, que mostrou interesse em contratá-lo a mando de outra pessoa.
» Em 23 deste mês, a Corvida prende o terceiro suspeito do crime da 113 Sul. Trata-se de Francisco Mairlon, 22 anos. Ele teria executado as vítimas e agido a mando de uma pessoa. A defesa de Adriana e a acusação iniciam os primeiros embates antes do julgamento, com base nos depoimentos dos acusados.
» A delegada Mabel de Faria recebe uma cópia de laudo feito em parceria entre o Instituto de Identificação da Polícia Civil e a Universidade de Brasília (UnB). O exame que comparou duas impressões digitais de Adriana no apartamento dos pais fundamenta uma das linhas de investigação do caso: a que tenta comprovar a presença da filha das vítimas na cena do crime.

» 2011

Janeiro
» O Tribunal do Júri de Brasília decreta a prisão preventiva dos três homens acusados de envolvimento no triplo homicídio. Leonardo, Paulo e Francisco são denunciados à Justiça pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. O processo, assim, fica anexado ao de Adriana Villela. Ela é presa pela segunda vez, mas é solta no dia seguinte.

» 2012

Março
» Acusados são ouvidos em audiência judicial. Na ocasião, Adriana Villela critica o trabalho da polícia. Leonardo Campos alega ter sido torturado psicologicamente pelos policiais.

» 2013

Maio
» Justiça determina que Adriana e os demais réus irão a júri popular.
Dezembro
» O Tribunal do Júri de Brasília condena o ex-porteiro Leonardo a 60 anos de prisão e Francisco Mairlon Aguiar a 55 anos, sem direito de recorrer em liberdade. Adriana Villela e Paulo Cardoso Santana conseguiram ter o julgamento adiado. Delegados reforçam: ela esteve na cena do crime.

» 2015

Abril
» A 1ª Turma Criminal do TJDFT mantém, em grau de recurso, a pronúncia de Adriana Villela e Paulo Cardoso. A decisão em relação a Paulo foi unânime e sem possibilidade de recurso no âmbito do TJDFT. Em relação a Adriana Villela, não houve unanimidade quanto à participação no crime. Logo, restaram embargos infringentes à Câmara Criminal do Tribunal. O advogado de Paulo acusou a polícia de ter forçado o réu a confessar. Já a defesa de Adriana usou um gráfico para mostrar a trajetória da cliente no dia e na hora provável dos fatos, que, segundo sustentou, contrariaria todas as versões dadas pelos outros envolvidos.

» 2016

Agosto
» A delegada Martha Vargas é condenada por improbidade administrativa. A Justiça determina que ela deva perder os direitos políticos por cinco anos e pagar multa no valor equivalente a 100 vezes ao que ela recebia como salário em 2009. Além disso, teve a aposentadoria cassada.
Dezembro
» A Justiça condena Paulo Cardoso Santana por triplo homicídio e furto. Ao todo, Paulo Cardoso pegou a pena de 62 anos e um mês de reclusão, em regime inicial fechado, mais multa na ordem de 1/30 do salário mínimo cada dia, por 20 dias.

» 2018

Dezembro
» Defesa entra com recurso no STJ para tirar Adriana Villela de julgamento em júri popular. STJ adia decisão.

» 2019

Fevereiro
» STJ nega recurso da defesa e mantém o tribunal do júri.
Abril
» Após o TJDFT dar o prazo de 48 horas para apresentação de provas, a defesa consegue liminar em 2ª instância, suspendendo o processo, alegando que os jurados só podem ter contato com a prova durante instrução em plenário.
Junho
» STJ nega embargos e mantém júri popular. A defesa de Adriana alega que houve omissão nos laudos periciais, mas a Corte entende que o pedido não se sustentava e mantém a decisão inicial.
Agosto
» Tribunal do Júri de Brasília marca julgamento de Adriana Villela para 23 de setembro
Setembro
» Defesa entra com requerimento para anulação da sentença de pronúncia no STF. Ministro Luís Roberto Barroso acata pedido parcialmente.

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Principais restrições do calendário eleitoral começam em julho

Por

Primeiro turno das eleições municipais será no dia 6 de outubro

 

Marcelo Camargo/Agência Brasil

A partir deste mês, começam a valer as principais restrições previstas no calendário eleitoral para impedir o uso da máquina pública a favor de candidatos às eleições municipais de outubro. As vedações estão previstas na Lei das Eleições (Lei 9.504/1997).

No dia 6 de julho, três meses antes do pleito, começam as restrições para contratação e demissão de servidores públicos. A partir do dia 20, os partidos podem realizar suas convenções internas para a escolha dos candidatos aos cargos de prefeito, vice-prefeito e vereadores.

O primeiro turno das eleições será no dia 6 de outubro. O segundo turno da disputa poderá ser realizado em 27 de outubro nos municípios com mais de 200 mil eleitores, nos quais nenhum dos candidatos à prefeitura atingiu mais da metade dos votos válidos, excluídos os brancos e nulos, no primeiro turno.

Confira as principais restrições

6 de julho 

Nomeação de servidores – a partir do próximo sábado (6), três meses antes do pleito, os agentes públicos não podem nomear, contratar e demitir por justa causa servidores públicos. A lei abre exceção para nomeação e exoneração de pessoas que exercem função comissionada e a contratação de natureza emergencial para garantir o funcionamento de serviços públicos essenciais.

Concursos  – A nomeação de servidores só pode ocorrer se o resultado do concurso foi homologado até 6 de julho.

Verbas  – Os agentes públicos também estão proibidos de fazer transferência voluntária de recursos do governo federal aos estados e municípios. O dinheiro só pode ser enviado para obras que já estão em andamento ou para atender situações de calamidade pública.

Publicidade estatal – A autorização para realização de publicidade institucional de programas de governo também está proibida. Pronunciamentos oficiais em cadeia de rádio e televisão e a divulgação de nomes de candidatos em sites oficiais também estão vedados e só podem ocorrer com autorização da Justiça Eleitoral.

Inauguração de obras – Também fica proibida a participação de candidatos em inaugurações de obras públicas.

20 de julho

Convenções – A partir do dia 20 de julho, os partidos políticos e as federações poderão escolher seus candidatos para os cargos de prefeito, vice-prefeito e vereador. O prazo para realização das convenções termina em 5 de agosto.

Gastos de campanha – Na mesma data, o TSE divulgará o limite de gastos de campanha para os cargos que estarão em disputa.

Direito de resposta – Também começa a valer a possiblidade de candidatos e partidos pedirem direito de resposta contra reportagens, comentários e postagens que considerarem ofensivas na imprensa e nas redes sociais.

 

Agência Brasil

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Ex-diretores da Americanas alvos da PF entram na lista da Interpol

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Dois investigados encontram-se foragidos no exterior

 

Tânia Rêgo/Agência Brasil
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Os dois ex-diretores do grupo Americanas investigados pela Operação Disclosure da Polícia Federal (PF) foram incluídos na lista de Difusão Vermelha da Interpol, a polícia internacional. Segundo a PF, os dois alvos de prisão preventiva encontram-se foragidos no exterior.

Com a inclusão dos nomes, as polícias de outros países sabem que eles são procurados no Brasil e podem prendê-los, se decidirem por isso.

Os ex-diretores, cujos nomes não foram divulgados pela PF, são acusados de participação em fraudes contábeis que chegam a R$ 25,3 bilhões, segundo a Polícia Federal (PF). Além dos mandados de prisão preventiva, os agentes cumprem nesta quinta-feira (27), 15 mandados de busca e apreensão e o sequestro de bens e valores autorizados pela Justiça, que somam mais de R$ 500 milhões.

As investigações, que contaram com a colaboração da atual diretoria do grupo Americanas, também tiveram a participação do Ministério Público Federal (MPF) e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

De acordo com a PF, os alvos da operação praticaram fraudes contábeis relacionadas a operações de risco sacado, que consiste numa operação na qual a varejista consegue antecipar o pagamento a fornecedores por meio de empréstimo junto aos bancos.

“Também foram identificadas fraudes envolvendo contratos de verba de propaganda cooperada (VPC), que consistem em incentivos comerciais que geralmente são utilizados no setor, mas no presente caso eram contabilizadas VPCs que nunca existiram”, informou a PF, por meio de nota, divulgada no início da manhã.

Também por meio de nota, o grupo Americanas informou que reitera sua confiança nas autoridades que investigam o caso “e reforça que foi vítima de uma fraude de resultados pela sua antiga diretoria”. De acordo com a empresa os ex-diretores manipularam, de forma intencional, os controles internos existentes. “A Americanas acredita na Justiça e aguarda a conclusão das investigações para responsabilizar judicialmente todos os envolvidos”.

MPF

Segundo o Ministério Público Federal (MPF), foi formalizado um acordo de colaboração premiada com dirigentes da empresa que manifestaram interesse em colaborar com as investigações. Além disso, houve intensa cooperação com um comitê externo constituído pela empresa para apurar as fraudes.

Ainda de acordo com o órgão,  foram ouvidos colaboradores, investigados, realizadas perícias e análises em materiais fornecidos pela empresa e pelos colaboradores.

Em junho de 2023, segundo o MPF, a empresa comunicou oficialmente ao mercado que encontrou inconsistências nas demonstrações financeiras, reforçando a existência da fraude contábil.

*Matéria alterada às 13h18min para acréscimo de informações.

Agência Brasil

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Como desnutrição, toxinas na água e agrotóxicos criaram ‘bolsões de microcefalia’ no Brasil

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Pesquisadora dedicou a última década de sua carreira a entender por que algumas regiões brasileiras — como o Nordeste e o Centro-Oeste — tiveram uma maior frequência de casos de microcefalia em bebês cujas mães foram infectadas pelo vírus zika durante a gestação.

A biomédica Patrícia Garcez se encaixa na rara categoria de pessoas que estavam no lugar certo, na hora certa.

Durante sua formação acadêmica, realizada em grande parte na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ela decidiu entender a fundo uma malformação que até então era muito rara e pouco conhecida: a microcefalia, marcada pelo desenvolvimento inadequado do cérebro durante a gestação.

“Lembro de conversar com uma amiga que trabalha com marketing e, ao explicar o que eu pesquisava, ela me perguntou: ‘Por que você estuda isso, se é algo tão raro? Não seria melhor focar em algo que seja mais comum e que afeta mais pessoas?'”, lembra Garcez.

“Mas isso nunca foi uma questão para mim. Na minha mente de formação biológica, o fato de a condição ser rara não significa que eu vou negligenciá-la ou ignorá-la”, complementa a pesquisadora.

Logicamente, essa conversa com a amiga aconteceu antes de 2015. Naquele ano, o zika, um vírus pouco conhecido, desembarcou no Brasil e foi inicialmente caracterizado como um “primo-irmão” da dengue, transmitido pelo mesmo Aedes aegypti e responsável por sintomas mais leves.

Mas a realidade mostrou-se muito mais complexa. Em maternidades espalhadas pelo país, os médicos começaram a notar um aumento anormal de casos de microcefalia — justamente a condição estudada por Garcez.

As suspeitas de que o zika poderia estar por trás do fenômeno logo se confirmaram, graças a uma série de pesquisas publicadas por cientistas brasileiros (incluindo ela própria) ao longo de 2015 e 2016.

“Quando começou o boom de microcefalia, eu não conseguia dormir… Lia tudo o que saía na imprensa e pensava em como poderia contribuir, já que sou especialista no assunto e não há muitos pesquisadores nessa área”, destaca ela.

Foi assim que começaram a surgir ideias, projetos, colaborações e estudos. À época, Garcez estava vinculada à UFRJ, instituição pela qual publicou todos os artigos que serão citados ao longo da reportagem. Mais recentemente, ela assumiu um cargo de professora no King’s College, uma instituição acadêmica sediada em Londres, no Reino Unido.

Uma das inquietações de Garcez na relação entre zika e microcefalia envolvia a desproporção de casos em determinadas regiões.

“Até pouco antes da pandemia de covid-19, o Brasil concentrava cerca de 95% dos casos da síndrome congênita do zika (SCZ)”, calcula ela.

A SCZ é o termo usado pelos especialistas para descrever todas as alterações no feto em desenvolvimento que são provocadas pela infecção por este vírus — que incluem a microcefalia, além de alterações visuais, auditivas, motoras…

A biomédica destaca que uma pesquisa realizada na Flórida, nos Estados Unidos, estimou que 1% das grávidas infectadas pelo zika transmitiram o vírus para o feto, durante a gestação.

“No Brasil, essa taxa variou entre 3%, 13%, até 40%, a depender de como cada estudo foi feito”, compara ela.

E, mesmo dentro do país, há diferenças importantes de acordo com a localidade dos casos.

Um estudo feito pela Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz) Bahia e outras instituições destaca que, entre setembro de 2015 e abril de 2016, o Brasil teve 41.473 casos prováveis de zika entre gestantes.

A maioria dessas infecções aconteceu no Sudeste (44,6% do total), seguido por Nordeste (26,8%), Sul (26,8%), Centro-Oeste (12,7%) e Norte (11%).

No entanto, dos 1.950 casos de microcefalia relacionados à infecção identificados nesse período em todo o Brasil, 70,4% dos quadros de SCZ aconteceram no Nordeste.

“O que explica uma assimetria tão grande? Por que algumas pessoas são mais atingidas que outras?”, pergunta Garcez.

O grupo de pesquisadores do qual ela faz parte começou a encontrar algumas respostas para essas questões — e, embora ainda restem muitas dúvidas pelo caminho, eles já descobriram que a desnutrição, algumas toxinas presentes na água e certos agrotóxicos ajudam a entender o que aconteceu no Brasil durante o surto de zika.

Falta proteína no prato

Uma das primeiras hipóteses que a biomédica resolveu investigar envolvia a nutrição materna. Será que a qualidade da dieta da gestante poderia ter alguma influência no desenvolvimento de uma microcefalia no bebê?

“Fizemos parcerias com epidemiologistas, que foram às regiões com mais casos de microcefalia e identificaram quadros de desnutrição severa, acima da média, entre muitas dessas mulheres”, explica Garcez.

Com base nesse dado, o grupo resolveu avaliar se a falta de proteínas na alimentação da gestante poderia de alguma maneira contribuir para que o zika conseguisse invadir a placenta e causar estragos no cérebro em desenvolvimento do feto.

Os cientistas focaram no grupo das proteínas, que inclui carnes, ovos, lácteos, entre outros, porque esses alimentos são geralmente os mais caros da cesta básica — e, por essa razão, são menos consumidos por famílias que enfrentam dificuldades econômicas.

As autoridades de saúde estabelecem que uma gestante deve comer entre 60 e 100 gramas de proteína por dia.

“E essa é uma meta que pode ser atingida facilmente se a pessoa tem uma dieta normal, sem restrições financeiras”, observa Garcez.

Para testar essa hipótese, os especialistas restringiram a dieta de camundongos gestantes no laboratório, que passaram a ter acesso a menos proteínas do que o indicado e também foram infectados com o zika.

Os resultados mostram que essa combinação (restrição de proteínas + infecção por zika) levou a alterações severas na estrutura da placenta e no crescimento do embrião. Os ratinhos que nasceram apresentavam uma menor formação de neurônios e um cérebro de tamanho reduzido — ou seja, um quadro similar à SCZ.

O mesmo não aconteceu com os camundongos gestantes que só comeram menos proteínas ou aqueles que foram apenas infectados com o zika. Isso sugere que a junção dos dois fatores ajuda a entender parte desse cenário.

“Suspeitamos que a desnutrição materna pode causar uma supressão do sistema imune, de modo que o vírus consegue atravessar a placenta e causar danos”, sugere a biomédica.

Quando o zika ultrapassa a barreira placentária — especialmente nos primeiros meses de gestação, quando a formação do cérebro está nas etapas iniciais — o estrago é quase certo.

“O zika tem uma capacidade notável de infectar as células-tronco neurais, que são as ‘mães’ de todos os neurônios e formam o Sistema Nervoso Central”, ensina a biomédica.

Seca e cianobactérias

Durante as pesquisas, Garcez conversou com o biólogo Renato Molica, especialista em cianobactérias, um tipo de micro-organismo que vive na água e obtém energia por meio da fotossíntese.

“Ele me contou que havia uma espécie de cianobactéria presente em reservatórios de água, especialmente em regiões de muita seca, que produz uma substância neurotóxica, com capacidade de afetar o cérebro”, lembra ela.

A cianobactéria em questão é a Raphidiopsis raciborskii, que fabrica uma substância chamada saxitoxina.

Vale lembrar que, a partir de 2012, poucos anos antes da chegada do zika ao Brasil, a região Nordeste enfrentou uma das piores secas de sua história. Os mais afetados precisaram recorrer às águas de reservatórios, que muitas vezes acumulam esses micro-organismos.

Será que uma coisa tinha a ver com a outra? O consumo da saxitoxina poderia de alguma maneira “turbinar” os efeitos do zika no cérebro do bebê em formação?

Os experimentos do grupo de Garcez mostraram que sim: o contato com a substância neurotóxica dobrou a quantidade de células neurais mortas pelo zika em testes com organoides, ou “minicérebros” cultivados em laboratório.

“Também colocamos essa cianobactéria na água consumida por camundongos gestantes, cujos fetos ficaram mais suscetíveis à SCZ”, descreve Garcez.

“Essa toxina já causa um certo desarranjo nas células-tronco neurais. Mas, junto com o zika, esse efeito fica muito pior”, complementa ela.

Essa observação acrescentou mais uma evidência que ajuda a entender a discrepância nos números de microcefalia por região. Mas havia outras dúvidas e descobertas pela frente.

Ação dos agrotóxicos

Garcez lembra que o Centro-Oeste também apresentou números mais elevados de microcefalia durante o surto de 2015 e 2016.

Um boletim epidemiológico publicado pelo Ministério da Saúde em setembro de 2022 aponta que essa foi a segunda região mais afetada pela SCZ.

“E lá a condição socioeconômica é mais elevada que a do Nordeste e não houve aquela questão da seca”, observa a cientista.

“Mas sabemos que essa é uma região que usa grandes quantidades de agrotóxicos e herbicidas, por ter muitas terras dedicadas à agricultura”, complementa ela.

Para avaliar se essas substâncias usadas nas plantações poderiam ter alguma influência nesses casos, o grupo de Garcez fez um mapa dos agrotóxicos mais aplicados no país.

“Depois dessa triagem inicial, encontramos o 2,4-D, um herbicida muito usado no Centro-Oeste”, destaca a biomédica.

Ao fazer os testes em laboratório, os pesquisadores viram aquele mesmo efeito sinérgico observado com a desnutrição e as toxinas das cianobactérias: os camundongos gestantes que foram infectados com zika e tomaram água com 2,4-D tinham maior risco de gerar descendentes com problemas no desenvolvimento cerebral.

“E as quantidades de 2,4-D que foram usadas no estudo estavam dentro do considerado aceitável”, destaca Garcez.

Vale destacar que esse último estudo ainda não foi publicado em revistas acadêmicas, algo que deve acontecer nos próximos meses. Essa etapa é fundamental para que o experimento seja revisado por especialistas independentes.

Quem é o verdadeiro culpado

Garcez lembra que, apesar da importância de conhecer todos os cofatores que ampliam a susceptibilidade à microcefalia, é preciso estabelecer as prioridades e os focos.

“O zika é o grande vilão dessa história”, lembra ela.

A pesquisadora também conta que algumas suspeitas não se comprovaram nas pesquisas.

“Nós testamos o herbicida glifosato, por exemplo, mas não observamos qualquer sinergia com o zika”, cita ela.

A biomédica acrescenta que algumas pesquisas feitas por outros grupos sugerem que infecções prévias por dengue podem alterar o risco de transmissão vertical do zika (da gestante para o feto em formação), embora esse tema ainda seja controverso.

“Outro ponto explorado é a questão do aborto. Sabemos que mulheres de algumas regiões do país têm maior acesso ao procedimento, mesmo que ele não esteja legalizado no Brasil nesses casos”, acrescenta Garcez.

Ou seja: pode ser que algumas gestantes que tiveram zika e receberam o diagnóstico de SCZ no bebê em desenvolvimento tenham optado por não seguir com a gravidez adiante.

“E isso pode confundir e mascarar um pouco esse mapa da SCZ”, diz ela.

Por fim, a biomédica destaca que ainda há muito a se descobrir sobre o zika e os “bolsões de microcefalia”.

“Nós precisamos entender melhor por que algumas mulheres têm mais propensão a transmitir o zika para o feto. Será que há alguma característica do vírus ou da genética das pacientes que aumente o risco de SCZ?”, questiona a especialista.

“Também precisamos conhecer quais são as consequências da síndrome congênita a longo prazo. Como esses pacientes que tiveram o cérebro afetado pelo zika vão se desenvolver? Como elas estarão na fase adulta? Eles conseguirão ser independentes ou estudar?”, complementa ela.

Encontrar essas respostas é importante não apenas para passar a limpo o surto de zika que ocorreu há quase uma década — mas também para lidar com as futuras crises relacionadas a esse vírus.

“O surto pode acontecer de novo, pois o zika continua a circular e o mosquito Aedes aegypti está sempre por aí. Além disso, as novas gerações não estarão imunes a essa infecção”, conclui ela.

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